Imagem integrante do artigo Science and Metrology of defects in graphene using Raman Spectroscopy.

Artigo publicado no periódico Carbon por cientistas da UFMG conta a história da evolução da pesquisa trilhada até o aprimoramento da metrologia de nanomateriais.

Imagine poder desenhar o mapa mundi várias vezes bem na ponta de um alfinete bem afiado. Foi isso que fizeram os cientistas do Departamento de Materiais do Inmetro ao riscar os traços dos continentes da Terra, com um feixe de íons, sobre o grafeno, forma cristalina do carbono que foi isolada em 2006 e que é 350 mil vezes mais fina que uma folha de papel. Tão impressionante quanto isso é ter uma tecnologia capaz de enxergar esse desenho, de 500 nanômetros, muito menor que um fio de cabelo (50 mil nanômetros) ou as células do nosso corpo (2 mil nanômetros).

Para além da apreciação artística que a imagem possa suscitar, esse desenho traduz o mais alto nível que o Brasil conseguiu alcançar na metrologia de nanomateriais, que se tornou referência em todo mundo com a ajuda de pesquisadores do Laboratório de Nanoespectroscopia (LabNS) do Departamento de Física do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Impressionado com o grau de evolução que o País chegou nessa área, Riichiro Saito, uma das maiores autoridades mundiais em grafeno, professor aposentado da Universidade de Tohoku e um dos editores da revista Carbon, pediu aos cientistas brasileiros a redação de um artigo sobre a história da pesquisa em nano metrologia no País.

E a capa da edição de fevereiro de 2024 da revista foi justamente o Mapa Mundi cuja imagem foi realizada utilizando o nanoscópio criado no Brasil. O artigo “Science and Metrology of defects in graphene using Raman Spectroscopy” é assinado pelos cientistas Luiz Gustavo Cançado, Ado Jório, Vítor P. Monken, João Luiz E. Campos, Joyce C.C. Santos, Hélio Chacham, Bernardo R.A. Neves, todos da UFMG, além de Claudia Backes, da Universidade de Kassel, na Alemanha.

Capa da revista Carbon,Volume 220 de 20 de fevereiro de 2024.

“Nós viramos uma referência no mundo de como fazer a metrologia de defeitos em nanomateriais de carbono, especialmente no grafeno, por meio de espectroscopia Raman. Há, inclusive, muitos artigos nossos com mais de 3 mil citações”, diz Luiz Gustavo, professor da UFMG, vice-coordenador da Rede Brasileira de Pesquisa e Instrumentação em Nano-Espectroscopia Óptica, e líder do Grupo de pesquisa Espectroscopia e Imagem Espectroscópica de Nano-Materiais do CNPq. “Os nossos protocolos são muito utilizados. A comunidade internacional começou a reconhecer a nossa qualidade. Tanto é que os trabalhos de 1970 sobre defeitos em carbono, que eram muito famosos, acabaram caindo no esquecimento. E os nossos começaram a ser a baliza da área.”

Para chegar até aqui muita pesquisa foi realizada. Luiz Gustavo lembra que seu interesse pelo assunto começou em sua Iniciação Científica, em 1999, quando ele entendeu que as pesquisas realizadas por cientistas como Mildred Dresselhaus, desde a década de 1970, poderiam ser aprimoradas no estudo de medir defeitos em materiais de carbono. Com seus estudos, até o doutorado, com a realização de pesquisas no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, ele e os cientistas da UFMG chegaram a aprimorar a técnica de espectroscopia Raman, capaz de ir além do ponto no qual os microscópios óticos não conseguem ultrapassar, por volta de 500 nanômetros.

O grafeno é uma das maiores apostas para o desenvolvimento de equipamentos eletrônicos, além de ser usado de telas de celulares e televisores, tintas, concreto, embalagens e até colete à prova de balas. Com características únicas de alta condutividade elétrica e resistência, saber identificar defeitos no material é extremamente importante para a sua produção em larga escala e para a aplicação em materiais de alta tecnologia. E, além disso, é também importante saber inserir defeitos no material, pois assim é possível mudar suas características dependendo de sua aplicação, potencializando ou reduzindo suas capacidades físicas.

E, para isso, a espectroscopia Raman é fundamental. “Você pode mudar a condutividade elétrica, você pode alterar a condutividade térmica, você pode mudar as propriedades mecânicas, você pode introduzir dureza, você pode introduzir deformação. Então, a introdução de defeitos em materiais, de forma controlada, ela por si já é uma área extensa na engenharia de materiais”, diz Luiz Gustavo. “E nós viramos referência no mundo, o Brasil é conhecido como sendo o lugar que desenvolve a metodologia disso.”

O cientista, em parceria com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), tem trabalhado no sentido de traduzir normas técnicas estrangeiras e de preparar uma norma brasileira sobre metrologia de defeitos em grafeno por espectroscopia Raman, que já está escrita. Com isso, espera-se elevar essa norma à ISO, invertendo o fluxo de influência nessa área no mundo. “E não vai ser muito difícil não, porque todo mundo conhece, todo mundo que trabalha com essa área de aplicações de grafeno conhece os nossos trabalhos”, afirma.

Os cientistas da UFMG buscam também expandir essa expertise para outras técnicas, como a microscopia de força atômica, termogravimetria, microscopia eletrônica, espalhamento dinâmico de luz. Com uma nova linha de luz que está sendo construída no Sírius, o acelerador de elétrons do LNLS em Campinas que gera a luz síncroton, essas pesquisas devem avançar ainda mais. “O Sírius pode contribuir muito”, afirma o professor. E vale lembrar que foi na UFMG que a física Ingrid David Barcelos, hoje pesquisadora coordenadora e Líder do Laboratório de Amostras Microscópicas (LAM), do LNLS, iniciou seus estudos com o grafeno. O que mostra que a universidade mineira tem imensas contribuições com esse tema de pesquisa.

(Colaborou Roger Marzochi)