Erupção de bolha de plasma solar registrada pelo Observatório de Dinâmica Solar (SDO) da Nasa, em 26 de setembro de 2014.
Erupção de bolha de plasma solar registrada pelo Observatório de Dinâmica Solar (SDO) da Nasa, em 26 de setembro de 2014.

Objetivo é potencializar os estudos sobre a influência das explosões solares sobre a operação de satélites, comunicação de aeronaves, drones e transmissão de dados até com bases na Lua.

É comum hoje usarmos durante a semana a previsão do tempo para saber se haverá chuva e qual será a temperatura em cada dia. Diferentemente desta, que nos fornece dados atmosféricos em um curto período, a previsão do clima engloba a análise da evolução de todos os fenômenos e condições meteorológicas em um longo espaço de tempo. A combinação de ambas são extremamente importantes frente aos graves eventos climáticos extremos ocasionados pela mudança climática.

Mas há outra frente de pesquisa que é igualmente importante devido aos efeitos do Sol no planeta. É uma ciência chamada de Clima Espacial, que com a escalada do uso intensivo de satélites nas comunicações e no controle de máquinas, rotas e aplicativos de mapas por GPS tem se tornado extremamente fundamental. Hoje, da aviação, mineração aos aplicativos de transporte, há uma ampla gama de uso do satélite.

O Brasil foi um dos pioneiros nesses estudos. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em São José dos Campos, em São Paulo, estuda há anos os fenômenos espaciais que influenciam a região entre a atmosfera, a 80 km de altura, até mais de 2 mil km de altitude. Mas foi em 2008 que essa atividade ganhou escala com a criação do Programa de Estudo e Monitoramento do Clima Espacial (Embrace), com sede também nessa cidade do Vale do Paraíba.

A partir do uso de satélites, os pesquisadores monitoram o Sol e as condições que ele provoca no limiar entre a atmosfera e o espaço. O Brasil foi pioneiro nesse trabalho, junto com Estados Unidos e Canadá. E, hoje, há cerca de 28 países que atuam nessa área, cuja tendência é a de criação de sistema de monitoramento global da influência do Sol na humanidade.

E, seguindo essa tendência, o Inpe está mobilizando a criação de um centro de Clima Espacial entre os países da América Latina. “O Brasil é padrinho da criação de centros desse tipo na Argentina, Chile e México”, diz Clezio Marcos De Nardin, Diretor do INPE. Há, inclusive, um site e aplicativo no qual países do mundo inteiro e empresas de diversos setores podem consultar sobre as condições climáticas espaciais. A sua importância é tão grande que líderes da Nasa, a agência espacial norte-americana, fazem constantes consultas ao Embrace.

Mas, afinal, porque é tão importante saber do clima espacial, uma vez que não é possível tomar sol na Lua? A questão é que a nossa estrela mãe tem momentos de extrema fúria. As explosões solares, que são constantes, crescem de intensidade num ciclo de cerca de 11 anos. O Sol, formado pela aglutinação de uma nuvem de hidrogênio, tem no seu interior um “reator nuclear”, que queima esse gás em hélio liberando grande energia. E essa energia provoca certas torções nesses gases, formando manchas, no quais cabem diversas Terras.

O cientista Clezio, que faz diversas palestras em escolas, gosta de comparar esse processo com uma mola de caminhão, cuja torção excessiva leva ao seu rompimento. Quando essa mancha explode, ocorrem dois fenômenos que atingem a Terra em diferentes tempos e formas. Em primeiro lugar, há liberação gigantesca de energia eletromagnética, que chega à Terra em oito minutos, viajando na velocidade da luz.

“De forma bem didática, a energia de torção magnética, ela vai torcendo aquele troço, a energia do calor vai empurrando aquela nuvem para fora, ela vai tentando expandir, ao mesmo tempo que vai torcendo, expandindo e torcendo, expandindo e torcendo. Uma hora o negócio reconfigura embaixo e explode de uma vez”, explica.

Essa energia já provoca um grande efeito no campo magnético da Terra e é uma das responsáveis pelas auroras boreais e austrais. Como o Sol está no ápice de seu ciclo de explosões, 2024 tem sido um ano bonito no céu. Isso porque essa energia provoca grandes mudanças nos gases em grandes altitudes na Terra, empurrando seus elétrons para orbitais mais baixos, liberando luz. A luz vermelha das auroras é a excitação do oxigênio; verde, oxigênio molecular; roxa, nitrogênio.

É lindo, mas é perigoso o que ocorre nesse processo de ionização dos elementos. Apenas dessa radiação eletromagnética resultante de uma explosão solar não chegar no solo, ela prejudica a comunicação com os satélites. “Toda a comunicação do satélite com a Terra é prejudicada. Principalmente aquela comunicação entre os pilotos da aeronave, por exemplo, e as bases onde estão as torres de controle dos aviões. É como se você colocasse uma esponja. Você fala, fala, fala, fala, e o cara do lado de lá não ouve nada. É a onda que vai sair pela minha antena do meu rádio e vai até a minha torre que evanesce, a onda é absorvida. Ela não chega. Ela morre. O termo correto científico é evanescência. Chama-se absorção atmosférica.”

Após chegar rapidamente o choque de energia eletromagnética, entre uma hora após ou até um dia, chega uma nuvem gigantesca de energia corpuscular, que são partículas como prótons energeticamente carregados, em níveis muito acima daqueles que são criados artificialmente no acelerador de partículas da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), entidade à qual o Brasil acaba de se filiar. A radiação eletromagnética já é capaz de queimar circuitos de um satélite, com a chegada dessas partículas a situação se complica ainda mais, podendo transformar o aparelho em sucata espacial.

Há um projeto que busca capacitar o País na construção de satélites que possam resistir a esses “ataques” do Sol. É o Projeto CITAR/FINEP, criado para consolidar no Brasil a competência para o desenvolvimento do ciclo completo de Circuitos Integrados de Aplicação Específica (ASICs) tolerantes à radiação ionizante para uso em satélites com fins pacíficos. A iniciativa multi-institucional uniu cientistas do Inpe, do Centro de Tecnologia da Informática Renato Archer (CTI), Agência Espacial Brasileira (AEB), Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP), Instituto de Estudos Avançados (IEAv), Centro Universitário FEI e Instituto Mauá de Tecnologia (IMT). Clezio lembra que, mesmo assim, o risco de inutilização do satélite devido à radiação do Sol em explosões solares é ainda alta. Você pode ter duas placas de circuitos redundantes, “mesmo assim, pode ter o azar de cair (radiação) nas duas”.

Isso não impede novas pesquisas na área, pelo contrário, mostra o quanto as explosões solares são ameaças aos satélites, exigindo mais investimento. Especialmente porque há bem sobre o Brasil e praticamente toda a América do Sul uma diminuição do campo magnético da Terra, conhecida como Anomalia Magnética da América do Sul (Amas), algo que tem sido explorado pela mídia com certo alarmismo. O fato é que devido a essa redução do campo magnético da Terra, as energias eletromagnéticas e as partículas carregadas expelidas em explosões solares atingem mais gravemente os satélites. “É como uma ralo para essas partículas”, diz Clezio.

Ele conta, por exemplo, que há um satélite da Áustria que é desligado toda vez que sobrevoa essa área, para não correr o risco de perder o equipamento. “Eles fazem isso porque não querem se arriscar. No nosso caso, o satélite é brasileiro, é para medir o Brasil. Como é que eu não vou ligar aqui em cima? Então, eu tenho que ter um centro de previsão do tempo no espaço para prevenir e proteger o nosso satélite.”

E, além disso tudo, há outro efeito que é natural da Terra e extremamente complexo para as máquinas espaciais: são as bolhas de plasma magnéticas que se formam no equador magnético da Terra que a 350 km e que alcançam alturas de até 2 mil km. “Ela vai subindo, vai crescendo. Ela vai se expandindo de Norte a Sul. E é gigantesca. Nós estamos falando de 2 mil, de 1,5 mil quilômetros. A menor tem mil quilômetros. Não é 1 quilômetro. São mil quilômetros. A metade do tamanho do Brasil, a menor das bolhas. Então, quando o sinal do GPS tenta se comunicar com o seu GPSzinho aqui no seu Waze, aqui no seu carro, o sinal do GPS bate nessa bolha e ele vai pra qualquer lugar, menos pra cá. Então você perdeu o GPS, perdeu agricultura de precisão, perdeu o drone.”

As explosões solares são uma constante na vida do Sol, elas apenas crescem de intensidade em um ciclo de quase 11 anos. O pior evento do qual temos registro atingiu a Terra em 1859, conhecido como “evento no nível de Carrington”. A força foi tão grande que a noite virou dia tamanho o brilho da aurora boreal. E, à época, os telégrafos pararam de funcionar. Um evento dessa magnitude ocorreu no início dos anos 2000, mas não veio em direção à Terra, mas foi registrada por sondas da Nasa em Júpiter.

E, em maio deste ano, o planeta vem experimentando com mais força esse ciclo do Sol, prejudicando transmissões de rádio e cujos efeitos vem sendo sentidos até no fundo do mar, em aparelhos que a Ocean Networks Canadá (ONC) tem espalhado pelos mares da Terra. Entre o desespero e profecias de fim de mundo, é preferível investir em ciência para avisar a população e as empresas das previsões sobre quando falhas nos equipamentos podem ocorrer devido a essas explosões. Como lembra a cientista Débora Perez Meneses, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), em vídeo no Cana no YouTube Mulheres na Ciência, não há motivo de preocupação, porque poderemos ficar desconectados por algum tempo. As explosões solares também podem interromper a distribuição de energia elétrica, mas tudo acaba voltando após à normalidade. Por isso, não será estranho se, no futuro, além de saber se levamos guarda-chuva para o trabalho, poderemos fortalecer nossa resiliência ao ficar sem energia elétrica ou rede social por um curto espaço de tempo.

(Colaborou Roger Marzochi)