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Fonte: CERN

Hoje mais de 200 brasileiros colaboram em pesquisas no LHC, que vão muito além dos segredos do Universo; e, com a adesão oficial do País ao acordo até março de 2024, a indústria nacional poderá ser beneficiada

Roger Marzochi 

Quem mora em apartamento sabe que precisa todo mês pagar o condomínio, dinheiro que é revertido para a manutenção do prédio. E, além disso, quitar a conta de luz! Leandro de Paula, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro do Comitê Técnico e Científico da Rede Nacional de Física de Altas Energias (RENAFAE), transpõe a analogia do condomínio ao uso de laboratórios no Large Hadron Colisor (LHC), o maior acelerador de partículas do mundo, localizado na Suíça e administrado pela Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN). E o País está mais próximo de ter a sua “casa própria” nesse espaço e, ainda, ter a possibilidade de ver parte ou todo o dinheiro aplicado de volta.

Há mais de 30 anos, os cientistas brasileiros têm participado de cooperações em pesquisas no LHC tanto nas estruturas físicas do acelerador quanto nos detectores, capazes de investigar os elementos básicos da natureza. Mas, nesse período, o País ocupa o espaço como se o contrato de locação fosse sempre assinado por outra pessoa. E, hoje em dia, mais de 200 cientistas brasileiros atuam direta ou indiretamente nos experimentos do LHC. A RENAFAE coordena hoje cinco grupos de cientistas brasileiros que atuam em diferentes detectores e há também um grupo de pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) que colabora com a equipe que cuida do acelerador.

“O laboratório é como o condomínio onde você mora. O condomínio paga o elevador, o porteiro, a limpeza, etc. E isso é o equivalente no CERN: o ‘condomínio’ é para fazer o acelerador funcionar, disponibilizar oficinas, é toda uma infraestrutura que considera também os gastos administrativos, atendimento médico, bombeiro… tudo que permite o lugar funcionar”, explica o físico.

Na semana passada, Leandro acompanhou a visita da ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, ao LHC, em Meyrin, na Suíça. Com a participação na comitiva brasileira de deputados federais da base do governo Lula e da oposição, Luciana pediu ao CERN prazo para até março de 2024 para que o País finalmente possa aderir plenamente ao laboratório. O acordo, que foi assinado no governo Bolsonaro, precisa ainda ser ratificado pelo Congresso. E Leandro tem esperança que de que o projeto seja aprovado, pois ouviu dos parlamentares que essa é uma ação que independe das cores partidárias. O encontro no LHC também contou com a presença de 39 cientistas brasileiros.

Caso seja aprovado o acordo, o Brasil teria que pagar uma taxa anual de US$ 12 milhões ao CERN, dinheiro que pode retornar ao Brasil, porque um membro efetivo pode indicar empresas brasileiras para participar da construção de estruturas do acelerador. Nas projeções da ministra, 70% do valor investido poderão retornar ao País. Mas Leandro lembra que há países que conseguem retorno de 100%, embora outros não tenham tido tanto sucesso nessa troca.

O sucesso dessa troca depende do projeto de financiamento necessário a essa participação, salienta documento entregue pelos cientistas à ministra na ocasião. “A associação do Brasil ao CERN pode trazer benefícios importantes ao País com o fortalecimento da CT&I, o avanço da internacionalização, a melhoria da formação de pessoal de alto nível, a contribuição para a nucleação de empresas de base tecnológica e a abertura de oportunidades para a indústria nacional. Nossa associação pode vir a ser um grande sucesso como no caso da França, cujo retorno, direto e indireto, é 3 vezes superior que o montante investido ou um fracasso, como no caso Índia, que veio a romper o acordo devido os seguidos déficits. Isso irá depender apenas de nossa eficiência na gestão do processo e no suporte aos grupos brasileiros no CERN”, argumentam os cientistas no documento.

“Pagar esse ‘condomínio’significa que o Brasil poderá usar as estruturas do LHC de maneira mais forte, com a participação da indústria nacional”, diz Leandro, que desde a década de 1990 participa do desenvolvimento de um detector, o LHCb, que colabora nas pesquisas sobre antimatéria. “Hoje, nós brasileiros somos usuários de um detector. Contribuímos para o desenvolvimento do sistema, mas não assinamos o ‘contrato de aluguel’. Estamos lá com a assistência de um amigo que assinou em nosso nome, já que não somos membros do CERN”, explica.

Leandro também explica que, independentemente da situação da Rússia no LHC, o Brasil sempre foi convidado a participar de experimentos e de fornecer equipamentos desde a década de 1990. Talvez, com a suspensão das atividades dos russos no laboratório desde o ano passado, em decorrência da Guerra na Ucrânia, haja maior oportunidade para a inserção brasileira em trabalhos no laboratório, mas isso não é determinante.

E as pesquisas no LHC vão muito além de desvendar os mistérios da criação do Universo. O físico Marcelo Gameiro Munhoz, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), que também esteve presente na reunião com a ministra na semana passada na Suíça, é o líder na USP da pesquisa do experimento Alice no LHC, que estuda um novo estado da matéria chamado de Plasma de Quarks e Gluons. Para esse experimento, físicos e engenheiros brasileiros, principalmente da USP, desenvolveram entre 2013 e 2019, um chip de uso específico batizado de Sampa.

Essa tecnologia desenvolvida no Brasil permitirá a utilização de radiações para estudar o patrimônio histórico e arqueológico, além de pesquisas para se criar sistemas de tomografia para estudos de física médica e o monitoramento de reatores nucleares. “Essa sinergia com engenheiros estrangeiros é muito importante. O nosso interesse no LHC é estudar o Plasma de Quarks e Gluons, algo bastante fundamental e quase poético: queremos saber do que é feito o Universo. Mas, para isso, desenvolvemos uma tecnologia que tem inúmeras aplicações no Brasil”, diz o professor Marcelo, que também criou uma boa expectativa a partir da reunião com a ministra e parlamentares na semana passada.

Para Marcelo, a associação oficial do Brasil ao CERN será importante não apenas para as empresas brasileiras, mas também para os pesquisadores, pois criará novas oportunidades de de troca de know-how entre a indústria e os cientistas que participam do LHC. “É uma situação na qual todo mundo ganha: o CERN ganha porque recebe mais; o Brasil ganha porque recebe demandas do CERN envolvendo tecnologia de ponta. Há uma troca muito grande de tecnologia e de conhecimento.”