Recorte do artigo Efeito Mpemba e o ensino de Física: tradução do artigo ‘Cool?’, publicado na revista A Física na Escola.

Com 11 anos de experiência na escola básica, o professor André Luís Miranda de Barcellos Coelho traduz artigo sobre o Efeito Mpemba, que revela o quão importante é uma educação baseada em questionar.

Erasto Mpemba era um adolescente no interior da Tanzânia apaixonado em fazer picolés, que descobre que o líquido quente vira gelo mais rápido que o preparo inserido na geladeira na temperatura ambiente. Essa constatação virou piada entre colegas e seu então professor de física, sendo ridicularizado dizendo que isso só poderia ser a “física de Mpemba”. Erasto, no entanto, não desiste, insiste em entrevistas com picoleiros profissionais até ter a coragem de repetir a mesma pergunta ao professor D.G. Osborne, da Universidade Dar es Salaam, em visita à sua escola.

Físico André Barcelos, homem branco, cabelo castanho, óculos e barba.
André Barcellos se tornou professor Nota 10 especialmente porque, em parceria com escolas e alunos, conseguiu aplicar uma educação focada mais nas perguntas que nas respostas.

Diferentemente do professor secundarista, Osborne resolve fazer o experimento, comprovando o que todos os picoleiros da época já sabiam. E, com base no relato de Erasto, publicou em 1969 na revista “Physics Education” o artigo científico “Cool?”, traduzido agora para o português pelo professor André Luís Miranda de Barcellos Coelho, que por 11 anos lecionou na escola básica pública e privada, foi vencedor do prêmio Educador Nota 10, em 2020, e hoje é professor de física da Universidade de Brasília (UnB).

O artigo “Efeito Mpemba e o ensino de Física: tradução do artigo ‘Cool?’” foi publicado na revista “A Física na Escola”, no dia 24 de maio de 2024. Mas, afinal, o que um artigo, originalmente publicado no ano em que o homem chegou à Lua, abordando um assunto que a princípio parece ser tão banal e corriqueiro, tem de tão importante? André Barcellos lembra que, em primeiro lugar, a curiosidade do jovem Erasto é um exemplo de quão importante é fazer perguntas em sala de aula mais do que receber do professor respostas prontas. E, além disso, o efeito que leva o seu nome é investigado até hoje, porque a água ainda tem lá os seus mistérios.

“Se a universidade não tivesse entrado em contato com a escola, essa curiosidade do Erasto ficaria lá, entre os colegas, no máximo entre professores que fossem um pouco mais gentis do que ele teve. No texto, ele relata sofrer bastante com os professores que falaram que ele estava confuso”, diz André Barcellos, que busca hoje criar pontes entre o ensino superior e a escola básica.

Segundo o professor, a água tem muito que ser investigada. Para ele, Osborne acerta no artigo agora traduzido em explicar o fato de que o líquido quente tem correntes de convecção mais intensas do que o líquido mais frio. “E é justamente esse movimento de convecção que faz o resfriamento acontecer mais rápido. Acontece que, como a gente está falando de água, há ainda um grande número de mecanismos a serem descobertos”, explica. “As correntes de convecção explicam 90% do fenômeno, mas restam alguns pontos. Eu encontro, por exemplo, artigos recentes, de 2020, 2021, de um grupo chinês que está conversando sobre um mecanismo da água, utilizando mecânica quântica, um negócio bastante avançado, mas que se refere ao efeito Mpemba. Quer dizer, de alguma maneira, as pessoas continuam pensando sobre o fenômeno até hoje.”

André Barcellos se tornou professor Nota 10 especialmente porque, em parceria com escolas e alunos, conseguiu aplicar uma educação focada mais nas perguntas que nas respostas. E ele gostava, por exemplo, de pedir aos alunos que refletissem sobre o que acontece quando uma pedra de gelo é jogada em um líquido. “Alguns respondiam: ela derrete! Mas antes de derreter, tem uma coisa interessante que acontece: a pedra de gelo flutua. Isso vai contra tudo que a gente aprende na escola, que é o fato de que o estado sólido de uma substância é mais denso do que seu estado líquido e gasoso. Aquela coisa das moléculas mais próximas, uma da outra no estado sólido, mas distante do estado líquido. Isso não acontece com a água, porque o estado sólido da água, que é o gelo, é menos denso que seu estado líquido”, explica.

“Enquanto a gente insiste na perspectiva de apresentar as respostas, a gente insiste na perspectiva de apresentar nos livros didáticos, nas nossas aulas de física, uma coleção de respostas a perguntas importantes, que ninguém ali naquela sala muito se interessa. Enquanto essa for a perspectiva, realmente não cabem outras perguntas. No entanto, se a perspectiva do ensino passa a ser mais focada nas perguntas, nas questões, que é essa a minha aposta, cabe uma quantidade imensa de contribuições”, afirma o professor.

O professor também discutia o artigo “Cool?” com seus estudantes do ensino básico numa forma de reflexão sobre a ciência “eurocentrada”. Não se pode descartar dos filósofos pré-socráticos até os grandes cientistas europeus como Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, por exemplo. Mas o Efeito Mpemba veio de um garoto na África, o berço da humanidade, onde a ciência já florescia, mas que sofreu com a escravidão e o assalto europeu às suas riquezas.

“Além de incluir outras visões de mundo, gosto de mostrar que se alguém no interior da Tanzânia é capaz, um adolescente, que não tem formação científica, que tinha condições precárias de conduzir qualquer pesquisa científica, foi capaz de dar uma contribuição importante para a ciência, me parece razoável pensar que qualquer pessoa da humanidade pode, com alguma sorte e curiosidade, também contribuir.”

(Colaborou Roger Marzochi)