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Foto de tanques de produção de cerveja em uma fábrica de cerveja. Tanques altos de aço inoxidável.

Ação educativa foi realizada em 2022 no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, cujo resultado está na revista A Física na Escola.

Aprender ciência é bem mais gostoso quando se pode fazer na prática. Com essa ideia na cabeça, docente de Física do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, campus Sertãozinho, em parceria com professores de biologia e automação, tendo em vista o caráter interdisciplinar da ação, decidiu levar dois grupos com 20 alunos cada um da segunda série do Ensino Médio integrado ao curso técnico de Automação Industrial para aprender sobre termologia e calorimetria no laboratório de cervejaria da entidade, que possui o Centro Interdisciplinar de Tecnologia Cervejeira (CEMTCerv).

O resultado didático da ação realizada no segundo bimestre de 2022 é relatada no artigo científico “Física e cerveja: aprendendo sobre termologia e calorimetria em uma cervejaria”, publicado em março na revista A Física na Escola, periódico da Sociedade Brasileira de Física (SBF). Participaram do estudo as professoras Giselle Alves Martins, Riama Coelho Gouveia e o professor André Luis Dias. “Eu fui conhecer o laboratório da cervejaria e pensei: nossa, mas tem um monte de coisa aqui que a gente podia usar em aulas práticas de física! Tem aquecimento do mosto, resfriamento, controles de temperatura, aquecimento de diferentes formas”, diz Riama, em entrevista ao Boletim SBF. Antes de entrar no laboratório, os professores discutiram os conceitos teóricos com as classes no primeiro bimestre.

De acordo com o estudo, a atividade didática envolveu as etapas de produção cervejeira que ocorrem no laboratório de produção de cerveja: brassagem, filtração, fervura, whirlpool e trocador de calor. “A mostura (ou brassagem) é o processo de mistura do grão triturado com água. Nesse processo, também ocorrem alterações controladas de temperatura. Dependendo das inclinações das curvas de aquecimento, da temperatura e da duração dos patamares, diferentes enzimas são ativadas para a quebra dos açúcares, resultando em diferentes ‘sabores’ na cerveja”, informa o estudo.

Fodo de pesquisadores do ensino de Física, um homem e duas mulheres. Todos de pé.
Da esquerda para a direita estão André Dias, Giselle Martins e Riama Coelho Gouveia, que aproveitaram o laboratório de cervejaria para ensinar a alunos de segundo grau termologia e calorimetria.

No primeiro tanque de aquecimento, explica Riama, a transferência de temperatura da água é auxiliada por pás. “Os alunos conseguiam ir lá ver. E aí a gente mostrava a temperatura antes,  mostrava a temperatura depois que as pás estavam em movimento para revelar o quanto isso influencia ou não na distribuição de temperatura. Eles foram com o termômetro dentro da água para ver que em pontos diferentes tinha temperaturas diferentes”, diz a docente.

Finalizadas as rampas de temperatura, o produto da brassagem é separado em bagaço do malte e mosto líquido, na etapa chamada de filtração. “Nessa etapa, o próprio bagaço serve como peneira enquanto o mosto recircula continuamente no tanque com o auxílio de uma bomba hidráulica. Conforme o mosto líquido se separa do bagaço, vai ficando menos turvo, sinalizando o final da filtração. O mosto líquido passa então para a fervura, que ocorre em altas temperaturas, para esterilização e adição do lúpulo. O lúpulo adicionado passa, então, por algumas transformações, devido ao calor, para se tornar solúvel em água, garantindo o amargor da cerveja”, explica o estudo.

Após a fervura, é necessário um novo processo de separação dos resíduos sólidos do mosto, o whirlpool. O nome é dado devido ao fato de a separação ocorrer por movimentos circulares do mosto, utilizando uma bomba hidráulica. O fenômeno físico que permite a separação foi explicado por Einstein e é conhecido como “efeito xícara de chá”: a bomba hidráulica força o líquido a executar um movimento de rotação; por conta do atrito, o líquido próximo às paredes do recipiente acaba ficando com uma velocidade angular menor do que nas partes mais centrais e, pelo mesmo motivo, a velocidade angular do líquido que fica próximo ao fundo é menor do que o líquido nas partes superiores do recipiente; o resultado é um movimento circular adicional do líquido, que carrega os resíduos sólidos, mais densos que o líquido, para baixo e para o centro. Pelo fato de o tanque possuir um formato cônico, o resíduo sólido, conhecido como “trub”, deposita-se no fundo do recipiente com o auxílio da força gravitacional.

“O Einstein fez um estudo profundo sobre essas questões, que tem relação com o movimento browniano. E ele faz um modelo, inclusive com desenhos, que foi basicamente o que a gente reproduziu no nosso artigo, mostrando como que aconteceria, porque esses resíduos sólidos que estão dispersos num líquido, se você faz um movimento nesse líquido, eles se concentram no centro”, explica Riama.

De acordo com o estudo, fechando o processo de produção da cerveja, é necessária a redução de temperatura do mosto – o resfriamento – por meio de um trocador de calor. O mosto é, então, conduzido a passar entre placas resfriadas com uma mistura de água e álcool (a -4 °C) e, transferindo calor para a mistura, atinge a temperatura adequada para o processo de fermentação.

Segundo Riama, esses foram os quatro processos iniciais que foram usados para compartilhar com os estudantes sobre calorimetria e termologia. Os estudantes conseguiram aprender na prática sobre os vários tipos de termômetros, as trocas de calor e a física que envolve todo o método inicial de produção da bebida. Ela explica que eles ficaram impressionados especialmente com o processo final dessa primeira etapa de fabricação, na qual o líquido quente é resfriado ao passar por uma serpentina que está em contato com a mistura de água e álcool a -4 graus, para que a água não congelasse e fosse capaz de resfriar o líquido.

Considerando que a produção de cerveja da etapa de mostura até a transferência para o fermentador é relativamente longa, em torno de 5 horas, e que os alunos são menores de idade, a atividade didática não produziu “cerveja de verdade”. As etapas foram realizadas apenas com água sendo indicado os pontos que os ingredientes são inseridos, e o foco passou a ser nos fenômenos relacionados a termologia e calorimetria.

E o resultado dessa ação foi excepcional. “Eles mostraram que tinham identificado os conceitos da física que estavam lá na produção da cerveja. Então, basicamente, todos os grupos falaram de calor específico, falaram de troca de calor, falaram de controle de temperatura. Então, eles tinham conseguido identificar aquilo que a gente tinha estudado na aula de física, lá no processo de produção de cerveja”, diz Riama. Que mais professores se inspirem nos exemplos de transmitir saber científico pela prática e pelo lúdico, para que possam nascer novos professores e novos cientistas.

(Colaborou Roger Marzochi)