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Por ocasião da realização da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, a Sociedade Brasileira de Física (SBF) vem manifestar seu desejo de contribuir para os debates preparatórios e, dentro das possibilidades da grade final de programação, chegar a ver incluídos entre os temas a serem discutidos os assuntos abaixo mencionados. 

PRINCIPAIS DESAFIOS PARA A CIÊNCIA BRASILEIRA

1 – Inserção da ciência na vida do País

As políticas de Estado que têm sido praticadas nas últimas décadas no campo de pós-graduação e da pesquisa geraram um avanço muito expressivo da ciência brasileira. Hoje o Brasil se coloca em posição destacada entre os maiores produtores mundiais de artigos científicos. Mas o impacto dessa capacitação científica na vida social e econômica do país ainda permanece abaixo daquele observado nos países avançados, embora haja um potencial significativo para melhorá-lo. Essa defasagem tem origem em vários fatores bem conhecidos, ligados aos processos históricos de implantação e modernização episódica de nossa indústria – que não favoreceram o desenvolvimento do gene da pesquisa e da inovação. Nas empresas brasileiras, o tema inovação é bastante recente e, nelas, o investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) representa apenas cerca de 0,5% de nosso PIB. Isto corresponde a um terço do que, em média no conjunto das nações da OCDE, as empresas despendem em P&D. Por outro lado, há no País uma carência significativa de profissionais adequadamente qualificados para programas de pesquisa e inovação realizados no âmbito empresarial. Este é um problema que pode criar obstáculos em curto prazo ao crescimento da produção brasileira.

2 – Formação de quadros para a ciência, tecnologia e inovação

Na última década, tem havido um considerável esforço do Governo para promover maior inserção da ciência na vida do País, com resultados animadores. No entanto, os desafios são enormes. Além de uma implementação mais plena da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), parecem ser necessárias importantes inovações em nosso sistema de educação superior. Esse sistema, que cresceu adaptando-se à pequena demanda de pesquisadores pelas empresas, forma ainda um número insuficiente de cientistas e engenheiros preparados para a inovação que o País necessita. Por ser uma ciência que tem uma grande interface com alta tecnologia, a Física brasileira tem sido especialmente afetada por esse cenário. Da mesma forma, sem um concertado programa de reforço à educação em ciência e matemática, desenhado para alcançar a cobertura universal de nossos jovens, o Brasil não disporá, nas próximas décadas, de um contingente expressivo de trabalhadores com domínio das novas tecnologias e que, de fato, possam contribuir para o aumento da produtividade da economia brasileira. No século 21, a existência de uma massa crítica de cidadãos funcionalmente aptos a lidar com tais assuntos poderá ser o diferencial a distinguir as nações líderes daquelas meramente caudatárias.

3 – Fixação dos quadros especializados

Vemos como essencial uma combinação equilibrada da ciência básica com suas aplicações práticas. Nossa ciência é ainda permeada por um viés teórico e de pouca valorização da atividade de laboratório, observação particularmente aplicável aos programas de formação de pessoal. É urgente, por isto, acelerar a formação de engenheiros pesquisadores e cientistas capacitados para o trabalho em tecnologia e inovação. Naturalmente, um programa de formação de pessoal desse porte precisa ser articulado a um planejamento adequado da capacitação humana resultante, sob pena de nos transformarmos em exportadores de profissionais altamente qualificados. É essencial a gestação de uma política pública de fixação de quadros especializados que, entre outros objetivos, busque fomentar a consistência do crescimento científico e tecnológico, enquanto ampliando a redução das disparidades regionais, e venha enfim complementar os nossos muito bem sucedidos programas de formação de pessoal pós-graduado.

RECOMENDAÇÕES PARA A POLÍTICA DE CT&I NOS PRÓXIMOS ANOS

1 – Infraestrutura estatal de pesquisa

O Brasil, em contraste com um grande número de países científicamente avançados, tem grande deficiência, em sua infraestrutura, de Institutos de Pesquisas, aquelas instituições (predominantemente estatais) com missões científicas e tecnológicas bem definidas e que não têm como objetivo a formação de pessoal, papel reservado às universidades. Embora haja uma gama ampla de Institutos de Pesquisas hoje no Brasil, e apesar do grande progresso alcançado por eles em suas respectivas missões nos últimos anos, seu número ainda está muito aquém das necessidades de um país com as complexidades brasileiras. O número de pesquisadores hoje em atividade nesta classe de instituições, quando comparado com o daqueles alocados às universidades, é cerca de quatro vezes menor que o encontrado em países com economias mais maduras. Por desbravarem áreas de fronteira, seja desenvolvendo instrumentação científica sofisticada ou se dedicando ao avanço de uma tecnologia com foco mais bem definido, absorvem uma fatia significativa de jovens cientistas e tecnologistas; assim, instituições desta natureza são elementos-chave para o crescimento científico e tecnológico de um país. No campo da agropecuária é emblemático o papel da Embrapa, em cujo ambiente as atividades de pesquisa, além de grandemente intensificadas, foram colimadas em direção a objetivos e metas bem definidos. O sucesso desse modelo foi inspirador da proposta de criação da Embratec, um análogo para a área da tecnologia industrial brasileira, detalhada e justificada no relatório “Ciência para um Brasil Competitivo – o papel da Física” (2007), fruto de um estudo encomendado pela Capes. Esta proposta foi importante na decisão do MCT de criar o Sibratec, um complexo que envolve os institutos de pesquisa já pertencentes ao MCT e outros que estão sendo criados. O Sibratec merece ser ampliado, delineado e gerido de maneira a garantir missões bem definidas para cada instituição desse complexo.

2 – Programas mobilizadores

É essencial adquirirmos a capacidade de estabelecer prioridades de ação e, de modo regular e consistente, a elas alocar os recursos disponíveis, identificando todos os agentes sociais que possam ser mobilizados para contribuir nas direções definidas. No passado, programas mobilizadores foram muito importantes no processo de gestação de avanços que induziram saltos tecnológicos em algumas áreas no Brasil. No presente, sua necessidade se faz ainda mais essencial para definir foco em muitas áreas onde temos feito progresso de maneira geral, porém difusa. Entendemos por programa mobilizador um esforço orquestrado para se atingir alguma meta bem definida, no caminho da qual tenham sido identificados obstáculos técnicos cuja superação, por si só, resolva problemas específicos e, assim, em seu conjunto justifiquem o programa como um todo. Vários países adotam programas mobilizadores para desenvolver tecnologias estratégicas. Por exemplo, o Programa Apolo, que em 1969 levou o Homem à Lua, exigiu o desenvolvimento de técnicas (novos materiais, eletrônica e computação avançadas etc.) que renderam aos americanos muito mais que tudo que foi gasto no programa. O atual programa espacial chinês, que recentemente externou a meta de enviar à Lua naves tripuladas antes de 2020, é também, claramente, um programa mobilizador. A SBF sugere que alguns programas mobilizadores, como os expostos a seguir sejam considerados. Essa lista, que certamente não esgota o rol de programas necessários ao País, destaca alguns daqueles onde a Física tem papel relevante.

a) Programa Espacial
Um robusto programa espacial é uma necessidade estratégica urgente do Brasil. Além da sua já comprovada eficácia como programa mobilizador, há de se reconhecer que, sem pleno domínio da tecnologia de satélites, um país continental como o Brasil permanecerá crescentemente vulnerável. Satélites são hoje amplamente empregados em telecomunicações, geoposicionamento, cartografia, agricultura de precisão, observação e previsão meteorológica, monitoramento e vigilância do território, controle de tráfego aéreo, etc. Deixar que tais serviços fiquem a cargo de nações estrangeiras é uma inaceitável temeridade. Se bem planejado, um redimensionamento substancial de nosso programa espacial pode gerar um círculo virtuoso de interações entre ciência e tecnologia, institutos de pesquisa e universidades, e entre a academia e as empresas nacionais, que acelere o nosso amadurecimento tecnológico.

b) Nanotecnologia
Hoje, é consensual a visão de que a nanotecnologia será a nova revolução técnica e industrial da humanidade, e que estará no centro dos desenvolvimentos industriais pelas próximas décadas. Da produção de fármacos às indústrias petroquímica e de materiais, passando pela eletrônica, pelas telecomunicações e pela informática, tudo está sendo revolucionado pela nanotecnologia. Por isso, e pelas justificadas pretensões que o Brasil exprime de se tornar em breve uma das nações líderes no mundo, é importante que criemos forte capacitação nos campos mais promissores da nanociência e da nanotecnologia. O esforço nesse sentido empreendido pelo MCT e suas agências tem de ser revigorado por uma governança mais bem definida, clara visibilidade na implementação de suas decisões e adoção de mecanismos eficazes de gestão e avaliação. No âmbito dos institutos de pesquisa e do complexo Sibratec, deve-se considerar a possibilidade de criação de centros de pesquisa com foco em temas da nanociência e nanotecnologia, tanto os assuntos de natureza fundamental, de pesquisa básica, como outros com aplicações bem delineadas. 

c) Energia
A crise da energia antevista para as próximas décadas oferece esplêndidas oportunidades para programas mobilizadores, especialmente para o Brasil, cuja matriz energética singularmente sustentável deve ser preservada. A dimensão mundial que o País assumirá na exploração, produção e logística de transporte de óleo e gás, com o desenvolvimento do pré-sal, irá requerer avanços substanciais em várias tecnologias correlatas que, certamente, deverão ter outras aplicações em áreas não relacionadas a petróleo. A expansão na produção de bioetanol irá requerer, além de progresso na técnica agrícola, o desenvolvimento de catalisadores eficientes e baratos para a hidrólise da lignocelulose, que terão impacto na indústria química e, possivelmente, na produção de células de combustível, componentes centrais de veículos movidos a hidrogênio. Nossa presente vantagem competitiva no setor de biocombustíveis só poderá ser mantida pelo investimento contínuo no domínio de tecnologias que permaneçam à frente daquelas adotadas por outros países. Por sua vez, o desenvolvimento de geradores fotovoltaicos de baixo custo se apresenta com grande potencial em um país com uma insolação média como a nossa, o que tem consequência importante para a indústria eletrônica. A reativação de um programa nuclear para a geração de energia, com todos os qualificativos para o cuidado com sua segurança, é importante para reduzir os problemas que geram o efeito estufa, e provavelmente será um elemento chave para a superação da crise energética mundial. Um programa que busque a autonomia técnica em toda a cadeia da produção de energia nuclear, o que inclui tanto a construção de reatores avançados e seguros, quanto de materiais especiais – para ultracentrifugadoras rápidas, caldeiras de alta pressão, etc – e de sensores diversos, representa grandes oportunidades para o desenvolvimento tecnológico, com impacto em outras áreas. A SBF defende com veemência o compromisso inarredável de que o programa nuclear brasileiro permaneça voltado para aplicações exclusivamente pacíficas, uma vez que nosso repúdio a armas nucleares se baseia em uma questão moral, e não apenas em um posicionamento político.

3 – Internacionalização da ciência brasileira 

O progresso da ciência brasileira crescentemente demandará sua maior internacionalização, com o estabelecimento de parcerias cada vez mais equilibradas com as nações desenvolvidas para a investigação de temas de mútuo interesse. Esse aspecto deve ser perseguido pela comunidade brasileira de Física, com o foco muito claro de, sempre e em cada caso, identificar as nossas prioridades e demandas. Em particular, muitos dos programas científicos que envolvem grandes colaborações internacionais, além de abrir o acesso de pesquisadores brasileiros a problemas que isoladamente não teríamos como abordar, face aos custos de instalação de equipamento se infraestrutura, oferecem também excelentes oportunidades de mobilização do nosso parque industrial, para atender demandas que envolvem tecnologia de ponta. Em paralelo, uma nova agenda de cooperação precisa ser aberta e consolidada na colaboração com outros países em desenvolvimento, como Índia, China, Coréia e África do Sul. Da mesma forma, as iniciativas de integração acadêmica Sul-Sul devem ser desenvolvidas sem olvidar o espaço geopolítico da América Latina, onde o Brasil deve liderar um esforço de expansão mais homogênea da comunidade de Física da região, fortalecendo os contatos recíprocos e auxiliando a implantação da atividade de pesquisa em todos os países. De maneira similar, se faz importante a identificação de uma agenda comum e o fortalecimento de laços científicos com os países da África, com especial ênfase e atenção para com aqueles de língua portuguesa. A produção de bioetanol e a disseminação do uso da energia fotovoltaica são exemplos de temas em que colaboração científica com a África pode trazer importantes resultados.

Na expectativa de que nossas sugestões possam ser acolhidas no âmbito da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, a SBF vem se colocar à disposição para colaborar para o sucesso dessa iniciativa.

São Paulo, 9 de abril de 2010
Sociedade Brasileira de Física