Prancheta com o carimbo escrito "Falso"

É falso que os praticantes de aterramento corporal (grounding ou earthing) receberão um fluxo constante de elétrons a partir do solo, que será suficiente para melhorar uma diversidade grande de condições médicas: ansiedade, insônia, dores crônicas, estresse, envelhecimento e assim por diante.

De acordo com os adeptos do aterramento corporal, é recomendado que as pessoas permaneçam em contato corporal direto com o solo – com os pés descalços, por exemplo – por alguns minutos ao dia, para receberem elétrons que serão benéficos à saúde mental e corporal do praticante.

Para verificarmos se isso faz algum sentido, do ponto de vista da Física, passaremos a analisar o trecho a seguir. Ele foi elaborado por meio de tradução livre, unindo as ideias principais sobre a técnica, obtidas nas páginas indicadas anteriormente.

A terra abaixo dos nossos pés não nos provê apenas com comida e água, mas também com algo surpreendente: elétrons. Quando você toca o solo com os pés descalços, elétrons fluem da terra para você. Quando você toca o solo com o corpo, dissipa-se a eletricidade estática e todas as cargas elétricas estranhas do ambiente que estão em você. Ao mesmo tempo, você recebe uma carga de energia na forma de elétrons livres, que atuarão como antioxidantes, neutralizando os radicais livres que causam inflamações e doenças. Enquanto você permanecer aterrado, seu corpo continuará a absorver elétrons em uma quantidade que varia significativamente de pessoa para pessoa, dependendo do estilo de vida e das atividades desenvolvidas, e que é impossível de se medir (grifos nossos).

Os efeitos da eletricidade estática são bem conhecidos por muita gente: afinal, quem nunca levou um choque ao tocar em uma maçaneta de metal, ou na estrutura de um carro? Isso acontece porque durante as diversas ações da nossa vida diária – caminhar, escovar os cabelos, trocar de roupa, sentar ou levantar de uma poltrona etc. –, há diversos materiais diferentes em atrito ou em contato entre si. Eventualmente, quando substâncias distintas sofrem essas ações, elas trocam elétrons, que são partículas subatômicas que possuem carga elétrica diferente de zero. Dessa forma, é comum que os objetos presentes nos diferentes cenários que elencamos acabem se tornando eletricamente carregados, incluindo, é claro, nossa pele: é esse processo que constitui o que chamamos de “eletricidade estática” no nosso dia a dia. Por convenção, dizemos que o elétron tem carga elétrica do tipo negativa, então um objeto que ganhe elétrons ficará negativamente carregado; já outro que perca essas partículas terminará o processo com carga total positiva.

Porém, ao mesmo tempo em que podemos ficar eletricamente carregados naturalmente, também podemos descarregar o excesso de carga superficial acumulada na pele também de forma espontânea: na maioria das vezes, isso acontece lenta e continuamente, e nem mesmo percebemos que estamos trocando cargas elétricas com outros objetos, ou com o ar à nossa volta; ocasionalmente, quando tocamos a estrutura do carro, por exemplo, que é feita de material condutor, e, ou nós, ou o carro está eletricamente carregado, a descarga ocorre mais rapidamente, e aí sentimos o incômodo do choque, ainda que a corrente elétrica gerada no processo seja de uma intensidade que nos é inofensiva. É curioso notar que, em dias mais secos, há mais chances de sermos surpreendidos por um choque decorrente de eletricidade estática: isso acontece porque a água presente na atmosfera facilita as trocas de cargas.

É claro que a técnica do aterramento – conectar um fio condutor entre um objeto carregado e o solo – também funciona para descarregar objetos com acúmulo de cargas. Físicos e engenheiros já sabem disso há tempo, tanto é que todo para-raios é aterrado, de modo a conectar as descargas elétricas atmosféricas (potencialmente fatais quando atingem as pessoas) diretamente com o solo, protegendo circuitos elétricos residenciais, equipamentos, estruturas e vidas.

Agora, podemos concluir que as alegações relacionadas ao grounding não fazem sentido: primeiro porque as trocas de carga que sofremos no dia a dia podem ocorrer nos dois sentidos (de perdermos ou de ganharmos elétrons), a depender dos materiais com os quais interagimos. É por isso que, se ainda tivermos excesso de cargas elétricas no momento do aterramento corporal (já que, como vimos, também perdemos naturalmente essa condição com o tempo), poderemos ou fornecer, ou receber elétrons do solo, o que invalida a ideia de que a terra sempre nos fornecerá elétrons para equilibrar cargas.

O segundo ponto é que a afirmação “cargas elétricas estranhas do ambiente que estão em você” é completamente incoerente, uma vez que todos os elétrons encontrados na natureza são essencialmente iguais: se trocássemos nossos elétrons instantaneamente por outros que estão, por exemplo, em uma árvore, nenhuma mudança seria percebida nem nos nossos corpos, nem na árvore.

Outra questão importante a considerar é que, mesmo que permaneçamos aterrados por horas a fio, o fluxo de elétrons entre nossos corpos e o solo se encerra rapidamente, tornando falsa a alegação de que absorveremos essas partículas continuamente do solo. Por fim, é importante destacar que essas trocas de cargas podem ser perfeitamente medidas, e é justamente por isso que conseguimos entender cientificamente os processos de eletrização. Quando se afirma que a corrente elétrica gerada na prática de grounding é impossível de ser medida, então certamente sabemos que ela não apresenta nem base científica, nem qualquer conexão com a realidade.

Ultrapassando os limites do bom senso, alguns produtos vendidos para que as pessoas façam o aterramento corporal em casa são constituídos de uma base condutora que deve ser, pasmem, conectada por um fio diretamente ao conector “terra” de uma tomada. As chances de isso gerar choques elétricos potencialmente fatais são reais: o usuário pode ligar o fio do aparelho na entrada errada da tomada, ou ainda pode haver problemas com uma instalação elétrica inadequada do aterramento da residência.

No que se refere aos radicais livres do nosso organismo, nós temos mecanismos bioquímicos que naturalmente controlam a quantidade desses compostos. Os elétrons livres trocados pela pele, relacionados ao fenômeno da eletricidade estática, estão muito mais associados à superfície do corpo, de modo que não atuam em nível celular e não servem para eliminar radicais livres.

Ademais, quaisquer ideias que sugiram coisas semelhantes a “precisamos equilibrar ou neutralizar cargas elétricas presentes no corpo humano para mantermos boa saúde” são completamente equivocadas: basta lembrar que diversos mecanismos biológicos que sustentam o bom funcionamento do corpo humano dependem, justamente, da presença de íons no nosso organismo, que são moléculas ou átomos eletricamente carregados.

Por fim, podemos concluir que a argumentação encontrada na técnica do grounding apresenta diversas características do que chamamos de “pseudociências”, estruturas que parecem científicas, usam termos da ciência de modo indevido, mas não possuem fundamento adequado.

Textos verificados

Pareceristas

  • Marcelo Girardi Schapo
  • Equipe VeriFísica

Este artigo do VeriFísica foi adaptado a partir de artigo publicado na Revista Questão de Ciência.