Ser professor e atrair a atenção dos alunos em sala de aula, torna-se cada vez mais desafiador, considerando o ritmo com o qual a informação chega às crianças e adolescentes e o desinteresse em aprender disciplinas que não oferecem soluções imediatas para os problemas enfrentados no dia a dia. Este desafio, somado ao sucateamento do ensino e às perspectivas profissionais cada vez menos promissoras, leva-nos a um questionamento acerca de quem são os profissionais que assumem este papel social tão importante e como encaram exigências vindas de todas as instâncias: pais, alunos, instituições de ensino e governo.
Instigada com essa conjuntura, a física Lisiane Pinheiro, professora do Instituto Federal Sul-rio-grandense, resolveu dedicar seu doutorado para traçar o perfil do professor de Física no ensino médio e as barreiras que ele busca transpor para oferecer um ensino de qualidade em sala de aula. A tese ‘O perfil e os desafios do educador em Física nas perspectivas das Diretrizes Curriculares Nacionais de 2015: a formação de profissionais críticos à Educação Básica’, orientada pela Dra. Neusa Teresinha Massoni, foi defendida em 2021, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e garantiu à pesquisadora duas grandes conquistas junto à comunidade da Física: o prêmio José Leite Lopes de melhor tese na área de Pesquisa em Ensino de Física e menção honrosa no mesmo prêmio, considerando todas as áreas de pesquisa.
Para o desenvolvimento do trabalho, Pinheiro partiu da construção de dois perfis almejados: um, traçado pelas políticas públicas voltadas à formação de professores do Ensino Médio, e outro, o perfil pretendido segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica (DCNFP) de 2015. A partir desse primeiro momento, a professora pode elencar convergências e divergências existentes entre os modelos e, por meio da literatura existente, pôde traçar a evolução e complexificação do perfil global de um professor de Física.
Na etapa seguinte, a pesquisadora realizou um estudo investigativo junto aos atores da Licenciatura em Física da UFRGS: os licenciandos, os professores egressos da licenciatura e os professores formadores – em especial, os envolvidos na reestruturação curricular decorrente das DCNFP/2015. Pinheiro constatou que, apesar de o conceito de interdisciplinaridade ser amplamente discutido em décadas de legislação educacional, foi identificada uma fragilidade conceitual devido ao caráter disciplinar constatado na maioria dos modelos curriculares vigentes no período da realização da tese, o que levava aos docentes realizarem projetos multidisciplinares acreditando ser interdisciplinares.
No entanto, foi possível registrar que, apesar do desânimo pela falta de articulação teoria-prática e pouca vivência interdisciplinar, existe um alinhamento dos diferentes agentes quanto ao potencial da reestruturação curricular decorrente da legislação de formação docente. Tal visão demonstrava uma porta aberta para proporcionar ações pedagógicas pontualmente direcionadas à interdisciplinaridade, provocando uma reação em cadeia que partiria das universidades e chegaria até as escolas. Trajetória clarificada pelos pensamentos de autores como Pietrocola, Alves Filho e Pinheiro; e Fazenda.
Sabendo, então, dos anseios em torno das práticas interdisciplinares como uma ferramenta positiva na transformação do ensino da Física, Pinheiro apresenta em sua tese o estudo de caso da disciplina “Estrutura da matéria: do átomo à célula”, ministrada no curso de Licenciatura em Física da UFRGS e que surgiu como um desafio para abordar a interdisciplinaridade na formação inicial docente, motivado pelas experiências da pesquisadora e pelos resultados levantados na primeira fase da tese. Sendo docente colaboradora da disciplina em questão, a professora pode ocupar assento privilegiado para a observação participante que executou durante o período de dois semestres.
Apesar da disciplina estar alocada na grade curricular do curso de Licenciatura em Física, estava também disponível aos cursos de Química e Biologia, o que tornou a experiência particularmente enriquecedora e trazendo resultados promissores. Das entrevistas e coletas que Pinheiro realizou, foi possível constatar que a vivência interdisciplinar intensa proporcionou aos universitários um novo olhar ao conhecimento da Física, motivando-os a perpetuar o aprendizado por meio de redes de trocas e construção de novas narrativas inspiradas pela disciplina.
Até hoje a disciplina é trabalhada e a pesquisadora faz questão de manter contato com os professores que a ministram. “Ela já sofreu modificações, pois passou pela pandemia de Covid-19, pela volta ao ensino presencial e o mais importante, agora o grupo de professores está completo”, comenta. Hoje, a disciplina conta com a participação de um professor de Física, um de Química e uma professora de Biologia, o que enriquece o projeto. “As atividades foram sendo aprimoradas, mas a proposta interdisciplinar se mantém e os professores ministrantes relatam que a aceitação da disciplina continua muito boa entre os licenciandos das três áreas”.
Ainda recente, as reflexões sobre o tema da tese acompanham a física Lisiane Pinheiro até hoje, enquadrando-se à sua rotina profissional. “Acompanho pesquisas sobre interdisciplinaridade, mas agora com um viés mais voltado para o meu trabalho, com o foco em educação profissional, no Instituto Federal Sul-rio-grandense”. Lá, a pesquisadora ministra as aulas de Física para o Ensino Médio Integrado (EMI), nos cursos de Mecatrônica e Informática, e para a Licenciatura em Pedagogia. “Busco, junto com os colegas das Ciências da Natureza, desenvolver atividades interdisciplinares adaptadas a cada um dos cursos oferecidos”.
Um dos frutos apresentados pelo trabalho da pesquisadora é a disciplina chamada de ‘Tópicos de Ciências da Natureza’, no curso de Licenciatura em Pedagogia do IFSul – Campus Charqueadas. Essa licenciatura foi implantada em 2023 e agora é o primeiro ano de oferecimento da disciplina. Ela foi inspirada na disciplina pesquisada pela Física – a ‘Explorando a matéria: do átomo à célula’ –, mas adaptada à Pedagogia. “Nesse sentido buscamos um ensino de Ciências, primeiramente interdisciplinar, com professores atuando conjuntamente em sala de aula, mas os temas tratados são voltados para a formação de professores que irão atuar nos primeiros anos da Educação Básica – do 1° ao 4° ano”, explica Pinheiro.
Mesmo sabendo do impacto positivo que sua tese possa ter nos debates e na prática da interdisciplinaridade, Pinheiro ainda destaca as dificuldades em torno do tema, e ressalta que um dos pontos negativos levantados em sua pesquisa é de que, na maioria das .licenciaturas, essa ainda é uma questão de difícil abordagem, “uma utopia”, mas o caminho da mudança é dado: “seria necessário fazer uma avaliação longitudinal, para tentar checar as implicações da disciplina da vivência interdisciplinar na formação de professores de Física, quem sabe de Química e Biologia também”, reflete.
Quem desejar ter uma pitadinha sobre os assuntos abordados na tese da física Lisiane Pinheiro, pode ler o artigo ‘Traçando um perfil para o professor de Física da Educação Básica: o que preconiza a legislação brasileira?’, elaborado por Lisiane Pinheiro e Neusa Massoni, publicado na Revista Brasileira de Ensino em Ciências e Matemática em 2021 (https://seer.upf.br/index.php/rbecm/article/view/10897/114115881).
Por Frederico S. M. de Carvalho – Curadoria da Comissão de Área de Pesquisa em Ensino de Física (CAPEF/SBF)
Referência:
PINHEIRO, L. A. O perfil e os desafios do educador em física na perspectiva das diretrizes curriculares nacionais de 2015: a formação de profissionais críticos à educação básica. Tese (Doutorado em Ensino de Física) – Instituto de Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, p. 286. 2021. Disponível em: <https://lume.ufrgs.br/handle/10183/229352>.