Por Giovani Lopes Vasconcelos, do Departamento de Física da UFPR

O Brasil e o mundo acompanham assustados a escalada da pandemia do coronavírus. Enquanto muitos países tomaram medidas drásticas para reduzir a velocidade de propagação do vírus, o Ministério da Saúde do Brasil tem adotado uma abordagem mais cautelosa. Nossa abordagem, contudo, não segue integralmente as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e pode resultar inadequada para o tamanho e a seriedade do problema. 

Recentemente o Diretor-Geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, recomendou a todos os países que “testem, testem, testem”. Sem testes, os casos não podem ser isolados e a cadeia de transmissão não será interrompida. O Ministério da Saúde, no entanto, só recomenda o teste em certos casos. A OMS também há muito recomenda uma ação integrada contra o vírus: “Do it all!” Ou seja, façam tudo – teste em massa,  identificação de contatos, quarentena, distanciamento social e campanhas educativas – ao mesmo tempo! O Governo Federal, porém, não tem adotado políticas agressivas de isolamento e distanciamento social, nem tampouco de restrição à entrada de pessoas vindo de países mais afetados. Nesse vácuo, muitos estados e municípios decidiram agir por conta própria

A maior preocupação do Ministério da Saúde tem sido preparar o SUS para os efeitos da epidemia, e não exatamente conter ou retardar a propagação do vírus, sob a justificativa de que, como não é possível impedir a circulação do vírus e como os efeitos nos mais jovens não são tão graves, é melhor se preparar para atender os grupos de maior risco, especialmente os idosos. Essa abordagem visa também desenvolver uma “imunidade coletiva” na população, com base na suposição de que a propagação rápida entre os mais jovens, e mais resistentes ao vírus, trará eventualmente uma maior imunidade para a população como um todo, até que uma vacina seja desenvolvida. O único outro país a adotar uma abordagem semelhante é o Reino Unido, que tem sido muito criticado por isso e já sinaliza mudança nessa política. 

Há um consenso entre especialistas de que a imunidade coletiva eventualmente virá, de uma forma ou de outra. A questão é saber a que custo. Ainda não temos parâmetros confiáveis sobre a epidemia do coronavírus, mas deixá-la seguir livre curso seria uma insensatez. Vários grupos de pesquisa no Brasil e no mundo trabalham intensivamente para o cálculo de parâmetros da epidemia que permitam projeções confiáveis. Mas devido à grande incerteza que ainda paira sobre o comportamento do vírus, muitos países têm preferido “pecar por excesso” (se é que esse é o caso), antes que o custo humano torne-se inaceitável.  

As autoridades brasileiras precisam entender que não há precedentes para esta pandemia. E para uma crise sem precedentes, precisamos de ações sem precedentes, como vários países foram forçados a adotar. É possível que no Brasil já estejamos atrasados na atenuação do surto, o chamado “achatamento da curva”. O custo de retardar medidas mais drásticas pode ser altíssimo. Por isso é preciso agir rápido!

Os exemplos da Coreia do Sul, Singapura, Hong Kong e Taiwan demonstram que a abordagem integrada recomendada pela OMS tem resultado em um certo controle do vírus. Por outro lado, países como Itália, Espanha e agora França, onde nos últimos dias houve um aumento expressivo no número de infectados e casos fatais, são exemplos concretos de como a epidemia pode levar a um quase colapso dos sistemas de saúde, aumentando ainda mais o custo humano da tragédia por falta de tratamento adequado para todos que dele precisam. A ameaça é real e demanda ações planejadas e coordenadas em todos os níveis de governo, com ampla participação da sociedade civil, em particular das sociedades científicas.

A transparência na informação, a tomada de decisões baseadas em evidências, a confiança nas ações dos governos e o engajamento da sociedade em geral são essenciais para garantir uma estratégia efetiva de combate a essa nova pandemia.

Giovani Lopes Vasconcelos
Professor Titular-Livre
Departamento de Física
Universidade Federal do Paraná