A relativamente recente área da spintrônica está fazendo francos avanços rumo a aplicações cada vez mais sofisticadas. É o que diz Fanny Béron, professora do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e vencedora do Prêmio Carolina Nemes de 2018, outorgado pela SBF. “A spintrônica já faz parte do nosso cotidiano, escondida em vários dispositivos, especialmente para armazenamento de dados, uma área em grande expansão”, diz a pesquisadora, em entrevista.

Ela também comenta a situação das mulheres na ciência brasileira e diz que ela é similar à do resto mundo, onde há claramente um efeito “tesoura”: o número de mulheres vai diminuindo da graduação para a pós-graduação e dali para as posições de chefia. “As mulheres precisam constantemente reafirmar e justificar a posição delas, o que, pouco a pouco, pode acabar por desmotivar”, diz Béron. “Esta pressão não é necessariamente expressada de maneira direta, muitas vezes é feita sem querer, sendo ancorada no inconsciente da sociedade.”

Confira a seguir a íntegra da entrevista.

Você está enfronhada na pesquisa em nanoestruturas e nanotecnologia, o que combina pesquisa básica sobre as entranhas da matéria com objetivos práticos e tecnológicos. O que te inspira nessa área?

Primeiro, a nanotecnologia envolve vários desafios: no nível da fabricação das amostras, caracterização delas, mudanças das propriedades físicas devido à baixa dimensionalidade, inclusão em dispositivos etc. A cada etapa, precisa se adaptar, em comparação ao trabalho com sistemas macroscópicos. Assim, é uma área onde é preciso ter, em paralelo, PD&I sobre os sistemas físicos, mas também sobre os equipamentos necessários para investigar estes sistemas. Segundo, devido aos pedidos do mercado, a tecnologia atual requer a obtenção de dispositivos complexos, mas o menor possível. Assim, é uma área onde a imaginação possui um papel importante.

Como você vê o Brasil nessa área e o papel das mulheres na física em geral e em seu campo de estudo em particular?

Na minha opinião, a situação das mulheres na física no Brasil é similar à situação no resto do mundo. O efeito “tesoura” é facilmente perceptível: há uma boa proporção de meninas na graduação, mas a proporção cai rapidamente quando se olha na pós-graduação, e depois no corpo docente ou nas posições de chefia em empresas. As mulheres precisam constantemente reafirmar e justificar a posição delas, o que, pouco a pouco, pode acabar por desmotivar. Esta pressão não é necessariamente expressada de maneira direta, muitas vezes é feita sem querer, sendo ancorada no inconsciente da sociedade. As mulheres na física não têm nada de diferente em comparação às outras mulheres.

Spintrônica e magneto-impedância gigante são alguns dos focos da sua pesquisa e algumas das grandes promessas para um futuro de alta tecnologia, mas, apesar de serem citadas com frequência há vários anos, ainda têm aplicações tímidas. Isso está para mudar ou ainda estamos longe de ver isso ganhar o dia a dia e mudar vidas para melhor?

A spintrônica já faz parte do nosso cotidiano, escondida em vários dispositivos, especialmente para armazenamento de dados, uma área em grande expansão. Por razões econômicas, a tecnologia SSD tomou uma boa parte do mercado atual para dados portáteis. Contudo, como qualquer tecnologia, ela preenche um nicho pontual na gama das necessidades da sociedade. As áreas da spintrônica, nanoeletrônica, optoeletrônica, bioeletrônica etc., não estão em competição, mas têm papéis complementares nas tecnologias de amanhã. E esses papéis não são fixos: uma nova ideia/descoberta permite abrir novas possibilidades inesperadas. Aconteceu nos últimos anos na spintrônica, com o desenvolvimento da pesquisa sobre skyrmions. Mas nunca se sabe de que será feito o futuro…

Se você tivesse de elencar um grande objetivo para a sua atuação e sua carreira na ciência, qual seria?

Meu maior objetivo, para o qual estou tendendo a cada dia, é de formar a próxima geração de cientistas e cidadãos. Formá-los para que sejam futuros colegas, no meio acadêmico e na indústria, que vão tomar o próprio lugar deles. Formá-los para que se tornem pessoas ativas, aplicadas e motivadas para construir a sociedade de amanhã. Se posso contribuir neste sentido, eu terei cumprido a minha responsabilidade.