?Por ?PAULO A. NUSSENZVEIG

Artigo publicado em 25/06/2016 na Folha de SP on-line

“Um indivíduo encosta uma pistola em minha orelha e grunhe, por entre os dentes, ‘Entregue-me seus pertences ou atirarei e então você se tornará um assassino!'” (Abraham Lincoln, Discurso na “Cooper Union”, 27/02/1860)

As universidades estaduais paulistas enfrentam novamente manifestações violentas por parte de sindicatos de funcionários e associações estudantis com apoio velado de sindicatos de professores.?

?Como se sabe, USP, Unesp e Unicamp vivem grave crise financeira, fruto de gestões recentes populistas e irresponsáveis e também da retração econômica sem precedentes, que reduz fortemente suas fontes de receita, vinculadas à arrecadação de ICMS do Estado.
Temos problemas sérios a enfrentar nesse cenário de escassez de recursos, frente a diversas demandas crescentes e legítimas da sociedade, que deseja ver a ampliação e universalização das possibilidades de acesso à educação superior, que espera a geração de conhecimento especializado que possa se reverter em crescimento econômico e bem-estar social.

É um momento que exige escolhas difíceis, priorização de certas despesas em detrimento de outras, na maior parte das vezes meritórias.

Afirmando “lutarem pela Educação”, os sindicatos apresentam a resposta usual, aprovando greves em assembleias presenciais, após intermináveis horas de discursos carregados de ideologia e que buscam vilanizar os atuais reitores.

Há milhares de funcionários, estudantes e docentes nas nossas universidades. Jamais os números de votos a favor das greves passam de algumas centenas. Os sindicatos recusam-se terminantemente a adotar votações eletrônicas, expandindo o universo possível de opiniões.

Como as greves não mobilizam a maioria, os sindicatos e o “movimento estudantil” optam por realizar piquetes físicos, impedindo o acesso aos locais de atividades didáticas e acadêmicas. Privatizam as universidades, nesses momentos, para poderem impor suas agendas totalitárias.

Nas greves da safra de 2016, vemos protagonismo de movimentos estudantis que recorrem a cadeiras e mobiliário para montar barricadas em frente de salas de aula e mesmo obstruir completamente o acesso a prédios inteiros na universidade. Assim, buscam impedir atividades que devem julgar “reacionárias”: a produção e disseminação de conhecimento.

Um vídeo de um professor que teima em continuar a dar aula, falando em meio ao som de bumbos em sua sala, “viralizou” recentemente na internet. Vemos um grevista estudantil que chega ao ponto de apagar o que o professor escreve no quadro!

Apesar das assembleias estudantis serem restritas, em princípio, apenas a membros do corpo discente, eles demandam a submissão de todos, incluindo os docentes. Alguns “subversivos”, como eu, recusam-se a capitular.

Reitero meu direito a manter uma consciência crítica, individual e independente. Há colegas que bradam contra a “criminalização” do movimento estudantil, sugerindo que esses discentes buscam “diálogo”. Não é possível nos curvarmos à inversão da lógica: os piquetes constituem uma negação dos princípios da instituição universitária.

Como disse Lincoln, não se pode acusar alguém que se recusa à submissão, quando tem uma pistola apontada a sua orelha, de ser avesso ao diálogo.

Ao receber a “Médaille d’Or” do CNRS em 1996, Claude Cohen-Tannoudji (prêmio Nobel de física em 1997) escreveu (tradução minha): “A atividade de pesquisa é uma escola onde aprendemos a importância do diálogo, da confrontação das ideias, do respeito pelo outro. Quando apresentamos um resultado, é necessário responder às objeções, reconhecer seus erros (se existem), refinar seus argumentos para obter a adesão dos outros, aceitar modificar seu ponto de vista se ele não é satisfatório. (…) Ela contribui para dissipar o obscurantismo e constitui, tenho convicção, uma muralha para nos proteger da intolerância e do fanatismo”.

Já passou da hora de substituirmos definitivamente as barreiras feitas de mobiliário pela confrontação de ideias e pelo refinamento de argumentos. A luta pela educação precisa ser feita com educação.

PAULO A. NUSSENZVEIG é professor do Instituto de Física da USP?