A colaboração internacional entre cientistas e governos é extremamente importante não apenas para o futuro do Brasil, mas de muitos outros países ao redor do mundo, pois enfrentamos juntos problemas como mudanças climáticas, extremismos e desinformação. A opinião é do professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luiz Davidovich, laureado em 14 de novembro com a Medalha TWAS 2025, honraria concedida pela The World Academy of Sciences. No mesmo dia, foram eleitos membros da TWAS os físicos Antonio José Roque da Silva (CNPEM) e Marcelo Knobel (Unicamp) junto a outros oito cientistas brasileiros de diversas áreas, todos membros da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Para ele, essa vitória pode “acentuar a importância da internacionalização da ciência brasileira, que precisa ser reforçada, com incentivo a colaborações com países desenvolvidos e em desenvolvimento”, lembrando que o Brasil ainda ocupa o 13º lugar no mundo no ranking de publicações científicas. “É interessante observar o exemplo chinês. Por meio de um financiamento consistente para pesquisa e desenvolvimento, atualmente da ordem de 2,4% do PIB, que é oito vezes superior ao PIB brasileiro, o impacto das publicações científicas chinesas aumentou fortemente desde o ano 2010, quando era comparável ao do Brasil, e é hoje praticamente igual ao das publicações dos Estados Unidos”, afirma.

Davidovich avalia como positiva a volta da importância da ciência no atual governo e acredita que se o Brasil seguir um conjunto de propostas para a próxima década, que foram debatidas em julho na 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, “o futuro da ciência e da inovação no país poderá ser virtuoso, fortalecendo a economia nacional e beneficiando a saúde e a segurança alimentar da população, além de aumentar a oferta de empregos mais bem remunerados”.

O professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luiz Davidovich, ganhador da Medalha TWAS 2025.

Elevar os investimentos em pesquisa, levar o saber científico até a população e o reconhecimento de que o mundo está numa mesma nave chamada Terra são elementos essenciais para o desenvolvimento sustentável em busca de promover a paz. “Não é possível ter um desenvolvimento sustentável pensando somente no Brasil. O desmatamento da Amazônia e a poluição de seus rios com mercúrio não ocorre apenas no Brasil, os países amazônicos contribuem também para isso. A ciência e a inovação podem oferecer alternativas rentáveis para o desmatamento e a poluição, por meio do uso sustentável da rica biodiversidade, na Amazônia e em outros biomas. O Brasil pode e deve investir na transição energética, no reflorestamento, em iniciativas que ajudem a reduzir o aquecimento global. Mas isso não será suficiente, sem a participação de países que são grandes poluidores. Daí a importância de fóruns internacionais, como a COP 30, que envolvem políticos e cientistas. A cooperação internacional para resolver problemas que afligem a humanidade é um excelente caminho para a paz.”

Leia a entrevista completa que Davidovich concedeu ao Boletim SBF:

Como o senhor avalia a evolução da óptica quântica e da informação quântica desde o início de sua carreira até os dias atuais?

Desde que obtive o meu Ph.D., na Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, houve inicialmente progresso nos fundamentos da óptica quântica, especialmente na parte experimental, com a demonstração do anti-agrupamento de fótons, testes das desigualdades de Bell, e o desenvolvimento de experimentos de eletrodinâmica quântica em cavidades, que permitiam o controle da interação de um único átomo com um único fóton, em uma cavidade. Controles precisos de íons em armadilhas eletromagnéticas também foram demonstrados. Esses experimentos permitiram demonstrar propriedades sutis da mecânica quântica. Mais que isso, estimularam novas ideias de aplicações que dependiam justamente desse controle preciso de átomos individuais e suas interações. Nasce então, a partir da década de 1990, a informação quântica, com propostas nas áreas de criptografia, computação e sensores quânticos, além de progresso no desenvolvimento de emissores e detetores de fótons únicos.

Essas propostas deram origem a novas tecnologias quânticas, com aplicações espetaculares, como relógios atômicos que adiantam ou atrasam um segundo durante um tempo igual à idade do Universo, e que tornaram possível o GPS, transmissão de chaves criptográficas usando fótons emaranhados provenientes de satélites, sensores capazes de detectar pequenos deslocamentos de espelhos de interferômetros, permitindo medir, pela primeira vez, as ondas gravitacionais previstas por Albert Einstein. Os conceitos e técnicas desenvolvidos na ótica quântica foram fundamentais para esses desenvolvimentos na área de informação quântica. Hoje em dia, computadores quânticos são testados em vários países e gravímetros quânticos permitem medir a aceleração gravitacional  g na superfície da Terra com uma precisão de um bilionésimo de g, o que permite identificar, de forma não invasiva, lençóis subterrâneos de água e óleo, ou mesmo vestígios de civilizações antigas.

Quais foram os principais desafios e aprendizados durante seu mandato como presidente da Academia Brasileira de Ciências entre 2016 e 2022?

Foram diversos desafios. O principal foi a defesa da ciência, ameaçada, no período 2019-2022, com cortes orçamentários, perseguições a universidades públicas e posturas anticientíficas do governo federal, que teve um aspecto crítico durante a pandemia. A defesa da cloroquina pelo então Presidente da República, que também desprezou o uso de máscaras e se posicionou contra vacinas, provocou muitas mortes, e era nosso papel moral alertar a população para que seguisse as recomendações da ciência. Tivemos que lidar também com perseguições a cientistas e a propagação de ideias falsas: até terraplanismo foi reabilitado, com comenda dada por uma assembleia legislativa estadual a um indivíduo que afirmava ter provado que a Terra era plana…  Por outro lado, aprendemos a usar outros meios de comunicação com o público em tempos de pandemia, organizando um webinário semanal sobre vários temas da ciência, com painéis formados por cientistas renomados, nacionais e internacionais. E intensificamos nossos contatos com a imprensa e com outras organizações. Por exemplo, publicamos dois artigos na Folha de São Paulo, críticos à atuação do governo federal frente à pandemia, juntamente com a SBPC, a Associação Brasileira de Imprensa, a Comissão Arns, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e a Ordem dos Advogados do Brasil. Foi importante também a participação da Academia Brasileira de Ciências na Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.Br), um movimento organizado da comunidade brasileira de ciência e tecnologia para atuação permanente junto aos parlamentares no Congresso Nacional e, também, em Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, em prol do desenvolvimento científico e tecnológico do país. Foi uma luta difícil, que continua no momento atual, pois as universidades federais e o CNPq contam com recursos insuficientes e novas ameaças contra o FNDCT (que corresponde a apenas 0,1% do PIB) aparecem, como se os parcos recursos para ciência, tecnologia e inovação no país fossem responsáveis pelo desequilíbrio do arcabouço fiscal.

O senhor mencionou que a TWAS desempenha um papel importante na mitigação da desigualdade entre países. Poderia compartilhar exemplos de iniciativas ou projetos que ilustram essa contribuição?

Há vários programas da TWAS direcionados para países menos desenvolvidos, financiados por várias agências, entre as quais destaca-se a Agência Sueca de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional (Swedish International Development Cooperation Agency — Sida), com recursos para pesquisa (“grants”) e bolsas de estudo em países mais desenvolvidos. O CNPq tem contribuído com bolsas de doutoramento, há uma chamada aberta neste momento — chamada CNPq/TWAS no. 45/2024.

Recursos para pesquisa têm sido dados em uma grande variedade de temas, para indivíduos ou para projetos colaborativos entre diferentes países: Agricultura, Biologia, Química, Ciências da Terra, Engenharia, Tecnologia da Informação e Informática, Matemática, Ciências Médicas, Física e Clima. Exemplos de projetos colaborativos financiados pela TWAS:  colaboração entre Quênia e Bangladesh para agricultura de tomates livre de inseticidas; colaboração entre Quênia e Madagascar para aumentar a produtividade do solo; colaboração entre Gana e Senegal para transformar biomassa em nanocelulose, que pode ser usada para construir eletrodos para dispositivos de armazenamento de energia. Há também um projeto humanitário importante da TWAS, em conjunto com outras instituições internacionais, chamado “Ciência no Exílio”, que se propõe a apoiar e integrar cientistas em risco, deslocados e refugiados. Número que aumenta a cada ano…

Após receber o Prêmio TWAS de Física em 2001 e agora a Medalha TWAS 2025, como o senhor enxerga o impacto desses reconhecimentos em sua trajetória profissional e na ciência brasileira?

Ter um reconhecimento é sempre bom, embora o prazer de fazer pesquisa, de se envolver com ciência e participar desse fantástico empreendimento humano, de ter ideias, de investigar as sutilezas da Natureza e, em particular, do mundo quântico, já sejam por si só uma grande recompensa. Com relação ao prêmio vir da TWAS, isso para mim foi um reconhecimento especial, pois tenho grande admiração por essa organização, fundada em 1983 por um grupo de cientistas liderados pelo físico paquistanês Abdus Salam, prêmio Nobel de Física em 1979.  A mitigação da desigualdade entre países, mencionada anteriormente, é apenas um aspecto da TWAS.

Em suas reuniões, convivem e trocam ideias cientistas, ateus ou com diversas crenças religiosas, oriundos de países eventualmente em conflito. Um exemplo de como a ciência pode ajudar a superar as barreiras do medo e do preconceito, de como a ciência pode ajudar a paz. Isso faz parte de minha trajetória e esse reconhecimento me estimula a continuar nela.

O impacto na ciência brasileira pode ser, assim espero, acentuar a importância da internacionalização da ciência brasileira, que precisa ser reforçada, com incentivo a colaborações com países desenvolvidos e em desenvolvimento. O Brasil está em 13º lugar no mundo, no número de publicações científicas, mas o impacto normalizado por área das publicações está abaixo da média mundial.

É interessante observar o exemplo chinês. Por meio de um financiamento consistente para pesquisa e desenvolvimento, atualmente da ordem de 2,4% do PIB, que é oito vezes superior ao PIB brasileiro, o impacto das publicações científicas chinesas aumentou fortemente desde o ano 2010, quando era comparável ao do Brasil, e é hoje praticamente igual ao das publicações dos Estados Unidos.

Ter um ecossistema científico com uma diversidade de áreas é importante, o Brasil tem que estar no CERN, no Fermilab, nos grandes telescópios, nas áreas portadoras de futuro, como biologia sintética, CRISPR, novos materiais, tecnologias quânticas, e também ter grupos de pesquisa em ciências humanas e sociais. Mas é preciso também pautar internacionalmente áreas de pesquisa, especialmente aquelas em que o Brasil tem vantagens comparativas, como agricultura, bioeconomia, transição energética, complexo econômico-Industrial da saúde e serviços ambientais, temas de grande relevância na política econômica e industrial do país, que encorajam a cooperação com países em desenvolvimento.

Quais são suas perspectivas sobre o futuro da ciência no Brasil e o papel das instituições científicas na promoção do desenvolvimento sustentável e da paz, em um momento em que estamos tanto no Brasil quanto no exterior com conflitos intermináveis e a ameaça do aquecimento global?

A Academia Brasileira de Ciências e a SBPC, assim como outras sociedades científicas, inclusive a SBF, têm elaborado propostas para educação, ciência, tecnologia e inovação, em uma perspectiva de desenvolvimento sustentável, que têm sido apresentadas sistematicamente aos candidatos à Presidência da República, e também a parlamentares. 

O governo atual melhorou substancialmente o financiamento à ciência e à inovação ao eliminar o contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e aumentar o valor das bolsas de mestrado e doutorado. Mas para beneficiar a população e impulsionar a economia e o protagonismo internacional do país, é preciso muito mais. E é necessário que educação, ciência, tecnologia e inovação façam parte de uma política de Estado, que se mantenha de um governo para outro.

Tivemos no último semestre reuniões em todo o país, com mais de 100 mil participantes, preparatórias para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada no final de julho, que apresentou um conjunto de propostas para a próxima década, com ênfase no desenvolvimento sustentável. Essas propostas foram resumidas utilizando inteligência artificial e estão sendo consolidadas para uma próxima publicação. Essas propostas apontam um caminho sustentável, com justiça social, para o desenvolvimento do país. Se esse caminho for trilhado, o futuro da ciência e da inovação no país poderá ser virtuoso, fortalecendo a economia nacional e beneficiando a saúde e a segurança alimentar da população, além de aumentar a oferta de empregos mais bem remunerados.

Mas para que isso ocorra, é necessário haver uma interação constante da comunidade cientifica com o executivo e com parlamentares, nos âmbitos municipal, estadual e federal. As instituições cientificas têm um papel fundamental nesse sentido, promovendo a divulgação científica para conscientizar a população sobre os benefícios da ciência, construindo propostas para modernizar o sistema educacional, organizando encontros científicos, interagindo com os parlamentares e setores do executivo, fazendo pressão por meio da imprensa e da presença no Parlamento.

Além disso, não é possível ter um desenvolvimento sustentável pensando somente no Brasil. O desmatamento da Amazônia e a poluição de seus rios com mercúrio não ocorre apenas no Brasil, os países amazônicos contribuem também para isso. A ciência e a inovação podem oferecer alternativas rentáveis para o desmatamento e a poluição, por meio do uso sustentável da rica biodiversidade, na Amazônia e em outros biomas. O Brasil pode e deve investir na transição energética, no reflorestamento, em iniciativas que ajudem a reduzir o aquecimento global. Mas isso não será suficiente, sem a participação de países que são grandes poluidores. Daí a importância de fóruns internacionais, como a COP 30, que envolvem políticos e cientistas. A cooperação internacional para resolver problemas que afligem a humanidade é um excelente caminho para a paz.

(Colaborou Roger Marzochi)