O professor Pedro S. Correia, da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus-BA, realizou uma pesquisa que contribui para uma compreensão mais profunda e detalhada dos sistemas quânticos complexos, oferecendo novas abordagens para a descrição desses sistemas. Seus resultados foram publicados no artigo “Canonical Typicality under General Quantum Channels” na revista Physical Review Letters (PRL), no dia 7 de agosto, fruto de uma colaboração com os pesquisadores Gabriel Dias Carvalho (UPE), Thiago R. de Oliveira (UFF), Raul Vallejos (CBPF) e Fernando de Melo (CBPF).
A pesquisa oferece novas perspectivas teóricas para a mecânica estatística quântica e sua interseção com a informação quântica, abrindo caminho para uma compreensão mais completa dos sistemas quânticos de muitos corpos. “Um dos pontos-chave do nosso trabalho foi aplicar ferramentas da informação quântica, já bem desenvolvidas, a contextos ainda pouco explorados na termodinâmica e mecânica estatística quântica”, explica Pedro, de 32 anos. Nascido em Vitória da Conquista (BA), Pedro se formou em Licenciatura em Física pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), na sua cidade natal, e obteve o mestrado e doutorado no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).
Para buscar compreender a pesquisa é necessário discutir a noção de subsistema. Na física, o conceito de subsistema é essencial quando queremos descrever partes menores de um sistema maior. “Tradicionalmente, essa divisão é bastante clara: o subsistema é a porção do sistema global que queremos estudar, enquanto o ambiente inclui o resto que está além do nosso alcance ou controle. Por exemplo, uma caneca de café esquecida em cima da mesa de sua sala. A caneca é o subsistema, e suas propriedades termodinâmicas são condicionadas diretamente da temperatura da sala, que é o ambiente”, explica o cientista. No entanto, Correia e seus colaboradores mostraram que essa divisão tradicional nem sempre é suficiente para capturar as complexidades de sistemas quânticos de muitos corpos, especialmente quando há várias maneiras de acessar a informação desses sistemas, como no caso de partículas fortemente correlacionadas ou detecções imperfeitas. Para lidar com essas situações, os pesquisadores aplicaram o conceito de subsistemas generalizados.
Do ponto de vista da informação quântica, os autores definem os subsistemas generalizados a partir de canais quânticos. “De forma simples, canais quânticos são mapas que descrevem como a informação de um estado quântico global é convertida em um estado que representa apenas a informação acessível ou relevante”, diz Correia. Essa abordagem é especialmente útil para medições em sistemas quânticos complexos, onde a divisão rígida entre subsistema e ambiente não é clara ou aplicável. “Em experimentos com redes óticas, por exemplo, tem-se muitos átomos aprisionados muito próximos uns dos outros. Se o detector não tiver resolução suficiente para distinguir dois átomos vizinhos, não é possível medir cada átomo individualmente. Nesse caso, faz-se medições globais em blocos de átomos, e esse bloco se torna o que chamamos de subsistema generalizado. O que vemos como um ‘átomo efetivo’ é, na verdade, uma combinação do sinal de muitos átomos, cujas informações são agregadas pela medição.” Esse exemplo ilustra como os canais quânticos permitem uma descrição mais prática e flexível de subsistemas generalizados em sistemas quânticos complexos.
E então, a partir da ideia de subsistemas generalizados, os pesquisadores estenderam a noção de tipicalidade canônica, que é a principal aplicação do trabalho. Correia explica que “a tipicalidade canônica diz que, em sistemas globais grandes o suficiente, o comportamento de um subsistema tende a se aproximar de um comportamento ‘típico’, ou seja, térmico, conforme previsto pelos ensembles da mecânica estatística”.
No entanto, Correia e os colaboradores ampliaram essa ideia fundamental para incluir os subsistemas generalizados descritos por canais quânticos. “Generalizamos o conceito de ensembles tradicionais de modo a incluir subsistemas que não seguem a separação clara entre subsistema e ambiente,” explica Correia. Isso significa que, mesmo em sistemas onde essa divisão não é clara, ainda se pode pensar em descrever o comportamento “térmico” dos subsistemas. O conceito de subsistemas generalizados abre, assim, novas possibilidades para o desenvolvimento de uma mecânica estatística mais abrangente e adaptada a sistemas quânticos complexos.
Um ingrediente crucial na generalização da tipicalidade canônica é o papel da entropia associada aos canais quânticos: “Na abordagem tradicional, o emaranhamento entre o sistema e o ambiente era o principal fator para o comportamento típico. Com os subsistemas generalizados a tipicalidade é associada agora à entropia do canal quântico que descreve o subsistema generalizado. Quanto maior a entropia do canal, mais informações são descartadas, fazendo com que o subsistema generalizado tenda a exibir um comportamento ‘térmico’”, diz Correia. Essa abordagem vai além das aplicações tradicionais da tipicalidade canônica, ao permitir uma generalização para subsistemas mais complexos e menos bem definidos, algo que não era possível com as abordagens convencionais. Tal generalização não apenas mantém a robustez da tipicalidade canônica, como a amplia, permitindo que seja aplicada em sistemas quânticos muito mais complexos, com interações e medições mais sutis.
Com sua publicação na PRL, Correia demonstra que a UESC, em Ilhéus — terra de Jorge Amado e famosa pela excelência na produção de cacau —, também se faz física de ponta. A sua pesquisa contribui tanto para o avanço do conhecimento teórico, em direção a uma mecânica estatística generalizada, como também lança a bases para futuras aplicações tecnológicas que podem revolucionar a forma como interagimos com o mundo quântico.
(Colaborou Roger Marzochi)