Obra foi finalista da primeira edição do Prêmio Jabuti Acadêmico 2024 na categoria Astronomia e Física e contou com apoio da Sociedade Brasileira de Física, Universidade Federal do Ceará e FUNCAP.
O livro “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, foi publicado em 1865 e, até hoje, faz sucesso entre crianças e adultos ao contar a história da menina que encontra um mundo de sonho no qual a noção do tempo passa ser determinante para o enredo. Há na história o Coelho Branco, que tem um relógio no bolso e está sempre atrasado, além do Chapeleiro Maluco que diz estar preso em uma hora específica, seis horas da tarde, a hora do chá. Alice, inclusive, não envelhece durante a trama.
Todos esses ingredientes sobre a noção do tempo estimulou o físico Geová Alencar, do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC), a pedir licença à Carroll para levar Alice a uma incrível viagem pelo mundo de Albert Einstein. Geová escreveu o romance “Alice no País da Relatividade” (Editora Livraria da Física), no qual uma menina negra que está fazendo pós-doutorado ensina o amigo Bob sobre esse conceito fundamental da ciência moderna, que Einstein elaborou em 1905.
O livro foi finalista do Prêmio Jabuti Acadêmico de 2024, a primeira edição dessa modalidade, promovida pela Câmara Brasileira do Livro com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que busca conceder uma distinção anual inédita a obras acadêmicas publicadas em língua portuguesa no Brasil. Na categoria Astronomia e Física, a obra vencedora foi “Bases do Eletromagnetismo 2: Ondas e Relatividade”, dos autores Manoel Roberto Robilotta, Suzana Salem Vasconcelos, Maria José Bechara, José Luciano Miranda Duarte (Editora Edusp).
A obra de Geová, destinada a alunas e alunos do Ensino Médio, nasceu do projeto “Universidade Indo À Escola”, que recebeu apoio da Sociedade Brasileira de Física (SBF), da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP) e da própria UFC. Esse projeto visa apresentar aos estudantes temas e palestras debatidos na universidade. Durante a pandemia, o projeto recebeu nada menos que 5 mil alunos em aulas online, conta Geová. A UFC e a FUNCAP ainda estimularam uma série de mais sete livros protagonizados por Alice em diversas áreas do conhecimento, como Matemática, Nanociência, Literatura, Psicologia, entre outros.
Especialista em Teoria da Relatividade, Geová recebeu a incumbência de escrever o livro, algo que de início achou que terminaria em quatro meses, no máximo. Mas ele percebeu que inserir no texto dados teóricos, por mais que suas explicações estejam, por assim dizer, mastigadas, a informação ficava muito bruta. E foi então que ele entendeu que o mais interessante seria associar os conceitos científicos da teoria à uma trama especial, uma trama de amor à Física e o amor nascente entre duas pessoas. Mas, nesse pensamento que lhe percorreu o consciente, foram necessários mais de dois anos para terminar o livro.
Alice é uma mulher negra que mora na periferia de Fortaleza, nascida no interior do Estado, que conseguiu quebrar a barreira do racismo e do machismo e chegou à universidade. E mantém uma amizade querida com seu amigo Bob, que ouve as explicações de Alice sobre o tempo-espaço e vai se apaixonando pela mulher. Ela, no entanto, percebe e se afasta do rapaz, uma das expressões do autismo nível 1, o mesmo diagnóstico de Geová na vida real, um jovem pesquisador de 45 anos, nascido em Alto Garças, no Mato Grosso, mas levado pequeno pela família até Fortaleza.
Além de colocar Alice como uma menina negra e periférica, Geová insere no texto também a questão da inclusão. “Eu construí mais ou menos a Alice como se ela fosse autista. Por isso que ela nunca percebia que o Bob gostava dela, que é uma característica dessa questão, você não consegue perceber”, explica o físico e escritor, que prefere guardar o final da história aos leitores.
O nome Alice e Bob também tiveram inspiração em estudos científicos. Os cientistas, algumas vezes, usam o nome Alice e Bob para dar referencial dentro de suas pesquisas sobre buracos negros, por exemplo. E o interessante do livro de Geová é que as explicações de Alice vão além da poesia da explicação do mundo pela física por meio de palavras, pois ele chega a apresentar conceitos introdutórios das complexas fórmulas matemáticas usadas pelos cientistas para traduzir a natureza. E muitas de suas explicações também são apresentadas usando cenas e personagens de ficção científica, como Guerra nas Estrelas, por exemplo.
“No filme Guerra nas Estrelas, Han Solo é o comandante da lendária Millenium Falcon. Essa nave consegue atingir velocidades de até 0, 6 c. Com isso conseguiríamos comprovar a dilatação do tempo prevista pela Relatividade Restrita. Todavia, podemos nos perguntar se um dia poderemos alcançar a velocidade da Millenium Falcon e fazer viagens interestelares. Isso é tema de muitas das ficções científicas. Nesta seção abordaremos os aspectos relativísticos dessas viagens”, escreve Geová no livro, que pode ser obtido gratuitamente fazendo o download no site do Departamento de Física da UFC.
“É fundamental que o nosso jovem tenha acesso a informações de mais alto nível no que há de mais novo na ciência e na tecnologia de uma forma que ele possa compreender basicamente, para que possa despertar o interesse em fazer ciência”, diz Raimundo Costa Filho, cientista e professor da UFC e presidente da FUNCAP. O professor Raimundo ainda coordena e apresenta o programa Falando Ciência na Rádio universitária (FM 107,9).
“Você não faz ciência se você achar que aquilo é inatingível. Você só faz ciência se você sentir que está próximo de você. E a maioria das pessoas faz ciência porque viram um filme de ficção científica na infância que trouxe pelo imaginário coletivo: isso aqui é real, mas não é real, eu posso fazer! E há outras pessoas que entram no mundo da ciência através de um professor que inspirou”, diz Raimundo. Que o livro de Geová possa inspirar novas e novos cientistas em todo o Brasil.
(Colaborou Roger Marzochi)