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Imagem da silhueta de um casal com seu filho pequeno pintada em um muro que está sob a enchente do Rio Grande do Sul. Jornal UFRGS - Crédito Flavio Dutra
Flávio Dutra/Jornal UFRGS

Paulo Artaxo, conselheiro da Sociedade Brasileira de Física (SBF) e membro da Comissão de Meio Ambiente da entidade, lembra que a física pode explicar os eventos extremos e alertar a sociedade com antecedência, mas não deve atuar isoladamente das outras ciências.

A tragédia causada pelas chuvas no Rio Grande do Sul não é a primeira, nem será a última, face às alterações no clima como resultado do aquecimento global. E a ocorrência de eventos climáticos extremos serão mais frequentes e mais intensos, exigindo dos cientistas uma grande atuação interdisciplinar na procura de soluções, e o fortalecimento das Defesas Civis em todos os níveis da Federação. A avaliação é do físico Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), conselheiro da Sociedade Brasileira de Física (SBF), membro da Comissão de Meio Ambiente da entidade e da coordenação do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).

Artaxo fez parte do grupo de cientistas que redigiram o Quarto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), equipe que recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em 2007. Ele lembra que a ciência vem alertando sobre o aumento dos eventos climáticos extremos há mais de três décadas o que, no entanto, não surtiu tanto efeito no meio político, econômico e social.

“É muito evidente para a ciência, que alerta a sociedade e os governos, há várias décadas, de que os eventos climáticos extremos vão aumentar de frequência e de intensidade, conforme aumenta a temperatura do planeta”, afirma. “Como nada foi feito do ponto de vista de redução de emissão de gases de efeito estufa, o que estamos observando, de uma maneira muito clara, não só no Rio Grande do Sul, não só no Brasil, mas mundialmente falando, é um aumento muito forte da frequência e da intensidade dos eventos climáticos extremos”, afirma o cientista.

Ele explica que em geral, os desastres climáticos, como os ocorridos no Rio Grande do Sul, não têm uma única causa, mas sim uma combinação de fatores. Segundo Artaxo, além do aquecimento global, outros elementos contribuíram para o evento específico no Estado gaúcho. Um sistema de alta pressão estacionado sobre São Paulo impediu a dissipação desse “gigantesco volume de vapor de água que tinha na atmosfera vindo tanto da região amazônica quanto do Oceano Atlântico superaquecido”, concentrando a precipitação na região sul. Em 18 dias, choveu em alguns lugares do Estado a média do que deveria ocorrer historicamente em seis meses, com volumes de chuva acima de 800 mm. Em São Sebastião, em fevereiro do ano passado, em menos de 24 horas choveu 683 mm em algumas horas, até então um recorde.

A destruição da vegetação nativa no Rio Grande do Sul, substituída por plantações de soja, por exemplo, também agravou a situação, pois essas áreas com vegetação nativa poderiam ter absorvido parte das águas. A geografia local, incluindo a Lagoa dos Patos e o Rio Guaíba, dificultou o escoamento das águas. “Então, certamente, deveria ter havido ações do governo do Rio Grande do Sul para melhorar o escoamento da região, para que, quando eventos desse tipo ocorressem, as águas não ficassem tão represadas como acabou ficando no atual evento,” aumentando a gravidade das enchentes, diz o professor.

Se a lição deixada pelo desastre na Região Serrana do Rio de Janeiro, em 11 de janeiro de 2011, que matou 918 pessoas, foi a criação do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), Artaxo avalia que agora é preciso reforçar as Defesas Civis. Para ele, apesar dos alertas antecipados dos modelos climáticos emitidos pelo Cemaden para o Rio Grande do Sul, a atuação das defesas civis foi praticamente inexistente, exacerbando os prejuízos em vidas e destruição em geral.

Então, mais uma lição para o Brasil de que temos que nos preparar muito melhor para o inevitável aumento da frequência e da intensidade de eventos climáticos extremos. Até o dia 21 de maio, havia o registro de 161 mortes, 85 desaparecidos e 806 feridos. Mais de 580 mil pessoas foram desalojadas, com prejuízos incalculáveis.

Desafios para a Física

A física, embora crucial para compreender os princípios por trás dos modelos climáticos, deve agir em parceria com outras disciplinas. O professor enfatizou a necessidade de uma abordagem científica interdisciplinar para enfrentar as mudanças climáticas. “Não é a questão de um trabalho para os físicos em particular, mas para a ciência interdisciplinar como um todo. Eu acho que a gente tem que deixar essa visão de isolar a física, química, biologia, ciências sociais, psicologia e assim por diante, mas temos que ter uma visão sistêmica da ciência,” disse ele. Temos que fazer Ciência e não somente física.

“Eu sei que os físicos têm uma visão muito para o próprio umbigo, o que trouxe prejuízos enormes para a própria área de física pela falta de uma visão mais sistêmica da importância da ciência interdisciplinar, onde a física possa interagir com outras disciplinas e contribuir muito mais efetivamente para a sociedade como um todo”, avalia.

Essa visão integrada é essencial para desenvolver soluções eficazes e integradas para os problemas ambientais. “Não há a menor dúvida de que, por exemplo, todos os modelos climáticos são baseados em princípios físicos, mas eles sozinhos, obviamente, não resolvem nada da questão. Então, esse evento climático no Rio Grande do Sul, mostrou a importância, primeiro, de respeito à ciência, porque a ciência alerta que esses eventos climáticos vão ocorrer mais frequentemente. E essa ciência tem que estar voltada para as reais necessidades da sociedade como um todo.”

Outro desafio significativo é o negacionismo das mudanças climáticas, as quais Artaxo atribui a interesses econômicos. Para ele, a manipulação da opinião pública é uma ferramenta poderosa utilizada para negar a ciência quando seus resultados não beneficiam certos grupos econômicos, religiosos ou políticos. “Basicamente, não é negacionismo generalizado. Se a ciência dissesse que, vocês podem desmatar quanto quiser a Amazônia, que não vai haver nenhuma consequência para o meio ambiente, isso seria aplaudido por alguns grupos econômicos. Ela só não é aplaudida quando suas conclusões vão contra os interesses econômicos de determinados grupos,” explicou.

Os desafios impostos pelas mudanças climáticas são vastos e complexos, exigindo uma resposta coordenada e informada da comunidade científica, dos governos e da sociedade. A física, em colaboração com outras disciplinas, tem um papel crucial a desempenhar na transição energética, na modelagem e previsão de eventos climáticos extremos e muitas outras áreas. É necessário que suas descobertas sejam reconhecidas e integradas em políticas públicas eficazes. Somente através de uma abordagem interdisciplinar e um compromisso global com a sustentabilidade planetária será possível construir uma sociedade sustentável e mais justa.

(Colaborou Roger Marzochi)