Pesquisa vai colaborar para aprimorar o estudo sobre vida em outros planetas dentro e fora do Sistema Solar
Pesquisadores do Laboratório Mansukh Shah da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Laboratório de Elétrons do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) identificaram pela primeira vez um método para reconhecer e quantificar em planetas a produção da molécula de oxigênio, gerada de forma não-biótica, por meio da quebra da molécula de gás carbônico (CO2) através da radiação eletromagnética e raios cósmicos.
Os resultados da pesquisa foram publicados na revista Physical Review Letters dia 11 de abril no artigo “O2+ Production Coming from CO2 Single-Event Electron Impact”. O estudo deverá contribuir para o entendimento dos processos químicos que ocorrem em atmosferas ricas em CO2 e expostas à radiação ionizante, como as de Vênus e Marte, o que é crucial para modelar e prever a composição atmosférica desses planetas.
A descoberta da produção de íons O2+ através da fragmentação do CO2 por impacto de elétrons revela uma rota não-biótica para a formação de oxigênio, que é relevante para a astrobiologia, pois o oxigênio é considerado um possível indicador de vida em outros planetas. O oxigênio molecular, assim como outros elementos químicos e moléculas, deixa uma assinatura em emissões eletromagnéticas que é possível de ser identificadas da Terra.
Mas, como mostra o estudo, nem sempre a existência desse elemento é um marcador de vida. “A molécula de oxigênio é considerada um potencial identificador de vida, pelo menos do tipo que conhecemos. Então se existem canais de produção de oxigênio que não sejam processos bióticos, é importante para descartar possíveis resultados e não chegar a conclusões erradas nas investigações sobre a existência de vida em outros planetas”, explica Lucas Sigaud, cientista da UFF, em entrevista ao Boletim SBF.
Segundo Sigaud, as diversas missões enviadas para Vênus e Marte, por exemplo, já comprovaram uma grande quantidade de gás carbônico em suas atmosferas. No caso de Marte, o nível chega a 95% da composição de sua atmosfera. Nos estratos mais altos do planeta vermelho, encontra-se grande quantidade de O2+, o que não era explicado por processos já conhecidos. O estudo indica que esse alto índice de oxigênio molecular ionizado pode ser gerado pela quebra da molécula do gás carbônico. Durante o processo de quebra dessa molécula, o carbono, que é um elemento leve, ganha energia e chega a deixar o planeta, enquanto o oxigênio, que é mais pesado, cresce sua concentração.
O estudo demonstra uma metodologia para identificar e medir quantitativamente esses íons de oxigênio em escala absoluta. Isso não apenas avança o conhecimento sobre a química atmosférica, mas também pode ter aplicações práticas em outras áreas da ciência. E ao entender melhor os processos químicos em planetas como Vênus e Marte, a ciência pode melhorar as estratégias de exploração espacial e até mesmo considerar a viabilidade de colonização ou terraformação desses corpos celestes.
Além do grande interesse que há em Marte, Sigaud lembra que há estudos sobre Vênus segundo os quais há áreas delimitadas em sua atmosfera que poderiam receber, por exemplo, uma estação espacial. A Nasa ainda possui um projeto chamado Moxie no qual estuda a captação do CO2 de Marte para produção de oxigênio para manter uma base no planeta. Com esse estudo liderado pelos cientistas brasileiros, o debate sobre a geração de oxigênio ganha ainda mais força. O grupo estuda principalmente o efeito de espalhamento e distribuição de energia dos fragmentos de cada uma das moléculas.
“E a gente viu que você conseguia detectar realmente um sinal que é baixo, proporcionalmente aos outros fragmentos, mas é significativo de O2+ sendo formado a partir da quebra do CO2, com uma energia alta, de 1,4 elétron-volt, que é mais de 50 vezes o valor da energia térmica de um gás a essa temperatura ambiente. Então, o que a gente viu foi que esse processo está acontecendo. E para o oxigênio sair com essa velocidade, nessa energia, o carbono que vai para o outro lado, por conservação de momento e energia, sai com 3,5 elétron-volt, que é muito alto. Essa reação, que acontece nas altas camadas da atmosfera de Marte, faz o carbono sair da atmosfera. Então, é o que deve estar acontecendo para ter essa quantidade de O2+ mas não de carbono na atmosfera, mas, claro, aí vira uma suposição nossa. Agora a gente tem o dado quantitativo, o que é importante porque a gente alimenta os modelos computacionais e teóricos que vão tentar descrever com essa nova informação a atmosfera de Marte”, explica Sigaud.
O pesquisador afirma que a Terra continuará, por muito tempo, como a única casa da humanidade no Cosmo. Para ele, pesquisas como essa são importantes, porque a humanidade quer chegar até a Lua, Marte, Vênus para conseguir fazer novas pesquisas, mas no máximo ter um acampamento mínimo. Mas não deixa de ser fascinante essa busca por vida fora da Terra, especialmente em planetas fora do Sistema Solar ou até da Via Láctea.
“Num cenário realista, não existe nenhuma previsão próxima, nas próximas décadas, de a gente ter instalações e colônias em qualquer coisa próximo daqui. Então, a gente tem que tomar cuidado pra preservar o que a gente tem aqui na Terra. Aquela coisa de vida em Vênus ou em Marte vai ser muito diferente da forma como a gente tá acostumado aqui, mesmo com a gente tendo mais recursos tecnológicos. Em Vênus, a previsão é tentar achar alguma coisa na atmosfera para botar uma estação lá, possivelmente, está sendo estudado. Mas nada que a gente poderia colonizar como se fosse uma cidade. A gente está ainda muito distante de uma realidade na qual a gente possa largar a Terra para colonizar outro planeta.”
(Colaborou Roger Marzochi)