Falta apenas a assinatura da Presidência da República para firmar o acordo, que é aprovado no centenário de nascimento do físico brasileiro Cesar Lattes, um dos expoentes da física de altas energias
Nascido em 11 de julho de 1924 em Curitiba, no Paraná, o físico Cesar Lattes se tornou famoso pela confirmação da existência do méson pi, um feito importante para a compreensão da constituição da matéria. Frequentemente lembrado hoje pela plataforma Lattes, que reúne informações acadêmicas, o cientista brasileiro trilhou uma grande carreira na investigação do mundo subatômico, realizando pesquisas inclusive no acelerador de partículas Laboratório do Acelerador Linear (Linac), da Universidade de São Paulo (USP), que no ano passado completou 50 anos de história.
Prestes a completar o centenário de nascimento de Lattes, o Brasil finalmente aprovou a sua participação na Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), denominado atualmente como o laboratório europeu de física de partículas. Este laboratório administra o Large Hadron Collider (LHC), o maior acelerador de partículas do mundo, capaz de observar minúsculas partículas da matéria e investigar a sopa cósmica que permitiu a criação do Universo.
“A associação do Brasil ao CERN é um passo histórico para o setor de altas energias, que começa com o físico José Leite Lopes, um dos fundadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), e por César Lattes, que inspirou o sonho de uma geração inteira de físicos de altas energias”, diz Sandro Fonseca de Souza, professor associado no Instituto de Física Armando Dias Tavares (IFADT) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador da área de Física de Partículas e Campos da Sociedade Brasileira de Física (SBF).
Aos 49 anos, Souza é um dos cientistas que fizeram história junto ao LHC, que tem recebido a colaboração de brasileiros há mais de 30 anos e, desde 2008, por meio da Rede Nacional de Física de Altas Energias (RENAFAE) em projetos compartilhados no gigantesco acelerador e os experimentos associados e eles, localizado na fronteira entre a França e a Suíça. Em 2006, Souza visitou o CERN em um projeto financiado pelos europeus e, em 2007, iniciou uma colaboração com o experimento CMS, que corroborou para a descoberta do Bóson de Higgs que rendeu ao britânico Peter Higgs e o belga François Englert o Prêmio Nobel de Física de 2013.
“Foi uma experiência fantástica de vida, estando lá e participando, mesmo que de forma indireta, dessa descoberta. Estar lá é uma questão de pertencimento, porque o CERN tem um ambiente que permite que todos participem independentemente de qualquer crença religiosa ou política. O CERN nasce após a Segunda Guerra Mundial da vontade da Europa em resgatar sua ciência. E, para mim foi muito especial, eu sou pessoa com deficiência física. Isso te dá uma responsabilidade, mexe com você”, diz Souza, que é atualmente coordenador adjunto, num grupo de trabalho com colaboradores de vários países, do sistema de detecção de múons utilizando câmaras de placas resistivas (Resistive Plate Chambers – RPCs) no experimento CMS. O sistema de câmaras de placas resistivas é composto por mais de 1000 câmaras espalhadas em todo o sistema de múons do experimento e um dos principais detectores responsáveis pela identificação dos múons durante as colisões no detector, comenta Souza.
Outro ponto que Souza destaca é que “o grupo da Física de Altas Energias do Experimento CMS na UERJ em colaboração com o CBPF estão muito engajados e desdobramentos futuros no projeto de melhoramento das RPCs para as próximas tomadas de dados do LHC que vai permitir explorar novos tópicos de física experimental de partículas já visto no experimento CMS, como por exemplos: decaimentos raros na física dos sabores pesados, estudo da assimetria matéria-antimatéria, física de mésons compostos por quarks c e b e busca de física nova. A competência adquirida pelo grupo da UERJ está possibilitando a transferência de conhecimento para a próxima geração de experimentos no CERN. Além disso, a tecnologias das RPCs podem ser aplicadas na área da medicina diagnóstica de imagem, controle de fronteiras, arqueologia e exploração espacial “.
A adesão do País para o CERN é como participar de um grande condomínio. Até hoje, os brasileiros participam dos experimentos, mas assinam a “locação do imóvel”, e ficam sem o benefício da transferência de tecnologia para o Brasil. Agora, o País será “locatário” de um pedaço do CERN. Para isso, terá que pagar uma taxa anual de US$ 12 milhões ao CERN. Em resposta aos críticos, o governo brasileiro argumenta que o dinheiro pode retornar ao Brasil, porque um membro efetivo pode indicar empresas brasileiras para participar da construção de estruturas do acelerador e também dos experimentos. Nas contas da ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, 70% do valor investido poderão retornar ao País.
E Souza acrescenta que isso beneficiaria a nova geração de cientistas brasileiros e, também, fortalecerá a indústria nacional, que poderá participar dos experimentos e obter tecnologia. Lembrando de uma frase de Louis Pasteur sobre a relação entre ciência básica ou pura e as aplicações da ciência, Souza diz que a pesquisa básica é como a raiz de uma árvore, que leva troncos e folhas para o alto, enquanto a aplicação prática da ciência são os frutos.
“Você tem os frutos da ciência básica, o entendimento disso vai permitir criar uma tecnologia que não está em prateleira de supermercado. Você impulsiona para frente a tecnologia. Na busca da física fundamental pelas questões básicas do Universo, você desenvolve tecnologias, que podem ser aplicadas em outros lugares na sociedade”, explica ele, lembrando de criações incríveis que foram gestadas no CERN, como o World Wide Web (WWW), inventada por Tim Berners-Lee, um cientista britânico em 1989. “Desde o agronegócio até o desenvolvimento da computação quântica, empresas brasileiras serão beneficiadas pelas criações de novas tecnologias associadas que teremos acesso agora que somos ‘sócios’ do CERN.”
(Colaborou Roger Marzochi)