Três cientistas brasileiras avaliam o descarte da água radioativa da usina nuclear japonesa no meio ambiente, ação que está causando polêmica
O governo do Japão iniciou em agosto a liberação da água da usina nuclear de Fukushima no Oceano Pacífico. A usina foi invadida pela água do mar em 2011, quando um tsunami atingiu a instalação provocando o maior desastre nuclear da história, forçando a evacuação de mais de 150 mil pessoas da região, localizada no leste do país, a 220 km de Tóquio. Desde então, a empresa Tepco, que administra a usina, mantém guardado 1,34 milhão de toneladas de água radioativa. E, para desativar a usina, é preciso resolver o descarte dessa água.
Com apoio da Agência Internacional de Energia Atômica (AEIA), o Japão foi autorizado a liberar a água no oceano, processo que deve ser realizado ao longo dos próximos 30 anos. Após passar por uma filtragem que elimina 62 elementos radioativos, a água percorre uma tubulação até o oceano. Mas, no entanto, a filtragem não elimina elementos como o trítio (isótopo do hidrogênio) e o carbono 14 (isótopo do carbono). Para minimizar riscos, esses elementos são diluídos ao máximo, para que caia drasticamente os riscos de contaminação do meio ambiente, de peixes e do ser humano.
A operação ocorre sob protestos de pescadores japoneses, ambientalistas e até países como China e Coréia do Sul. Mas, afinal, há riscos de contaminação? “Esse tempo longo de descarte da água é justamente para descartar muito aos poucos o que já está filtrado e diluído”, explica Elisabeth Mateus Yoshimura, professora do Departamento de Física Nuclear do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), para quem a aprovação obtida pelo Japão de órgãos internacionais mostra que todo o processo está ocorrendo com normas rígidas e controle.
Elisabeth explica que o ser humano já está exposto a elementos radioativos naturais no meio ambiente, como o próprio carbono 14, o radônio na atmosfera que respiramos e o potássio 40, presente no solo e absorvido em plantas, verduras e até na carne que comemos. “Enfim, só para as pessoas não ficarem assustadas: há material radioativo quer que a gente queira ou não. Há poluentes radioativos provenientes de aplicações médicas e industriais e de reatores nucleares. Isso tem que ser lidado com alerta o tempo inteiro, com auditoria constante, inspeção constante para assegurar que o melhor está sendo feito”, afirma.
“O trítio é um elemento que já está naturalmente presente na água do mar e até mesmo na água que consumimos. E a água de Fukushima contendo trítio, antes de ser liberada, é diluída para garantir que a quantidade desse elemento presente esteja bem abaixo dos valores impostos como limites de segurança”, explica a engenheira nuclear Alice Cunha da Silva, membro do Comitê Executivo da Seção Latino Americana da Sociedade Nuclear Americana (LAS/ANS) e do Grupo Mulheres em Inovação Nuclear.
Alice lembra que, segundo relatório da AIEA, a quantidade de trítio será 1/7 do valor que a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que é adequada para o consumo humano. Para ela, a agência fez uma avaliação independente do plano e processo de lançamento da água de Fukushima no mar. A revisão de segurança, continua a especialista, durou quase dois anos e os detalhes são públicos em um relatório foi liberado pela organização e pode ser encontrado online. O processo ainda será monitorado periodicamente, com coleta de amostras da água de diferente locais para uma confirmação contínua que ela continua segura, além de continuar monitorando os efeitos ao meio ambiente e fauna marinha. “O setor nuclear é um setor altamente regulado localmente e internacionalmente, onde a segurança é prioridade e esse processo não seria feito sem aprovação e análise de diferentes organismos para garantir a segurança da população e do nosso planeta”, argumenta Alice.
Emico Okuno, professora do Instituto de Física da USP e autora do livro “Radiação: efeitos, riscos e benefícios”, avalia há sim riscos para o meio ambiente e o ser humano, embora avalie serem baixos. “Acredito que há riscos beber essa água radioativa, mas eles são bastante baixos. Os animais marinhos do mar próximo à usina de Fukushima que comemos podem ficar ligeiramente radioativos”, explica a cientista.
Para Emico, os riscos da energia nuclear para geração de energia elétrica superam os benefícios a longo prazo, especialmente pela complexidade em descartar material radioativo. “A principal questão não se relaciona à comparação entre riscos e benefícios, mas ao destino de material nuclear usado que não vale mais a pena usá-lo para geração de energia. Os rejeitos de alta atividade (combustíveis usados) devem ser preservados de dez mil a um milhão de anos. Onde e como armazenar esse rejeito e em que língua escrever, deixar escrito do que se trata?”
(Colaborou Roger Marzochi)