Pela primeira vez, cientistas fizeram a detecção inequívoca de dois perfis de duplo pico no
infravermelho próximo da galáxia III Zw 002, que impõe restrições firmes à geometria do gás
periférico ao disco de acréscimo

O estudo “First Observation of a Double-peaked OI Emission in the Near-infrared Spectrum of an Active Galaxy”, publicado no dia 8 de agosto na revista The Astrophysical Journal Letters, detectou, pela primeira vez, as emissões de duplo-pico em infravermelho próximo provenientes da borda do disco de acreção de um buraco negro supermassivo na galáxia III Zw 002. O trabalho foi liderado pela astrofísica Denimara Dias dos Santos, doutoranda no Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) sob a orientação de Alberto Rodriguez-Ardila, em colaboração com Swayamtrupta Panda e Murilo Marinello, todos pesquisadores do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA).

A III Zw 002 faz parte de um grupo de três galáxias que estão em possível rota de colisão. O buraco negro supermassivo localizado no centro dessa galáxia está em “processo de alimentação”, ou seja, capturando todo material disponível ao seu redor, por isso, é chamada de galáxia de núcleo ativo. E o estudo da qual Denimara participou conseguiu estimar que a sua massa varia de 400 a 900 milhões de vezes a massa do Sol, um monstro gigantesco. Sagittarius A, o buraco negro no centro da Via Láctea, tem uma massa estimada equivalente a 4,3 milhões de vezes a do Sol.

A estimativa de massa do buraco negro da III Zw 002 só foi possível, porque através do modelo utilizado no estudo, os astrônomos obtiveram o angulo de inclinação do disco de acreção em relação à Terra. Esse parâmetro permitiu ter mais objetividade científica na estimativa não apenas da massa, mas de outras variáveis importantes no contexto de galáxias de núcleo ativo.

O disco de acreção é como se fosse um rodamoinho de água numa pia: o ralo é o buraco negro e a borda do vórtice o local onde começa o disco. No caso do estudo em questão, a região do disco investigada é formada por gás composto por várias espécies atômicas, chamado de “gás emissor de linhas largas”, do inglês Broad Line Region (BLR). As espécies atômicas dentro da BLR se encontram em um estado excitado que ao decaírem para um nível de energia mais baixo, liberam luz em um comprimento de onda específico, de acordo com cada mudança de nível. Essas linhas emissões, como são chamadas, podem ser nitidamente observadas no espectro da galáxia. O fenômeno da emissão de duplo-pico não é observado com frequência, e em grande parte dos estudos anteriores envolvendo outras galáxias, foi detectado na luz visível, nas emissões da série de Hidrogênio chamadas de H-Alfa e H-Beta.

Mas em 2021, por meio do telescópio Gemini norte, no Havaí, utilizando o instrumento GNIRS que pode fazer observações simultâneas de todo espectro do infravermelho próximo, foi possível analisar emissões em hidrogênio denominada Paschen-Alfa e de oxigênio neutro (OI). Pela primeira vez, foi possível inferir sobre a geometria dessa região, e estimar a extensão do disco, que neste caso, tem 52,43 dias-luz. Isso é algo mil vezes maior do que a distância entre o Sol e Netuno, mas é extremamente pequena em termos galácticos. “Astronomicamente é uma região que possui um tamanho muito pequeno. É algo que nem o Telescópio Espacial James Webb consegue resolver espacialmente”, explica Denimara. E por essa razão de ser praticamente inviável a observação direta de discos de acréscimo, os astrônomos utilizam a luz proveniente dessas estruturas para estudá-los.

Para a detecção de um disco de acréscimo, como no trabalho dos cientistas brasileiros, é necessário um cenário adicional. O disco em questão está sob forte influência do potencial gravitacional do buraco negro, e por isso rodopia ao redor do mesmo a milhares de quilômetros por segundo.

A emissão de luz oriunda desse furioso vórtice, é observada em forma de um perfil composto por dois picos, um referente a emissão mais próxima do observador e outro que se distancia. É como colocar um led de luz em um ventilador que, ao girar, se afasta e se aproxima da pessoa que está observando, em forma um movimento circular. É esse movimento relativo ao observador que faz com que o comprimento de onda da luz se modifique para mais curto e mais longo, resultando em dois picos. As pesquisas até então realizadas haviam conseguido informações sobre essa emissão apenas originadas da parte mais interna do disco por meio de emissões no espectro óptico. E nunca em emissões de infravermelho.

“Lançamos uma luz para essa região que não é possível ser vista buscando entender a geometria e qual é o limite que o disco pode se estender. É muito importante toda informação que conseguimos tirar dessa região já que não podemos “ver” ela. Isso ajuda entender não apenas como é o processo de alimentação do buraco negro e o cenário ao seu redor, mas também sobre a própria galáxia num todo”, explica Denimara.

“Nosso trabalho foi importante no sentido de que agora podemos entender melhor como é a estrutura e cinemática desse gás periférico ao disco nessa galáxia. Mas agora precisamos investigar as consequências dessa detecção”, conclui a cientista. Quando criança, Denimara ficava observando o brilho das estrelas no quintal de casa em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, onde nasceu.

Ela conseguiu superar a difícil situação econômica da família, formou-se em Física pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em Volta Redonda, mestrado Inpe, onde hoje é doutoranda. Entrou no Inpe ela já interessada em galáxias de núcleo ativo. E, da curiosidade sobre as cores dos brilhos das estrelas no interior capixaba, a jovem cientista de 28 anos, nos passos da colaboração científica necessária para este artigo, foi ainda mais longe, para o coração de uma galáxia.
(Colaborou Roger Marzochi)