Para elevar a participação feminina, pesquisadoras sugerem estipular 50% das vagas de coordenação para mulheres, além de incentivar maior participação feminina em palestras e plenárias

Só recentemente as mulheres conseguiram destaque no futebol, esporte que lhes havia sido proibido por decreto de Getúlio Vargas. A Copa do Mundo Feminina, no entanto, não é o único campo no qual as mulheres precisam chegar para provar que podem ser tão competentes quanto os homens. E o debate sobre gênero precisa ir além do conceito binário homem-mulher, para abraçar a comunidade LGTBQIA+. Assim como os gramados pareciam ser só dos homens, há na Física a predominância masculina, em sua maioria, de homens brancos.

A luta pela igualdade acontece passo a passo ao longo da história. E uma das iniciativas que contribui nesse sentido é o estudo científico “Physics scientific events in Brazil: Female participation”, publicado no dia 7 de julho na revista PLOS ONE pelas cientistas Celia Anteneodo (Departamento de Física da PUC-Rio), Carolina Brito (Departamento de Física da UFRGS) e Débora Peres Menezes (Departamento de Física da UFSC, CNPq).

A partir de análise da porcentagem de participação feminina em comitês, plenárias e palestras em eventos realizados pela Sociedade Brasileira de Física (SBF) de 2005 a 2021 as pesquisadoras mostram que a mulher está sempre sub-representada. A participação da mulher como sócia adimplente da SBF tem ficado, historicamente, abaixo de 25% dos membros totais. Dependendo do evento, a participação é até maior, como nos casos de encontros relacionados ao Ensino de Física: no Simpósio Nacional de Ensino de Física (SNEF) a participação feminina chega a 38%, como pode ser notado na imagem abaixo:

A participação da mulher nos grandes eventos da Física como integrante de comitês e palestrantes, no entanto, é ainda menor que a média da participação feminina na SBF. Em um dos casos estudados, as pesquisadoras analisaram a participação da mulher no Encontro Nacional de Física da Matéria Condensada (ENFMC), que desde 2017 passou a abranger outras áreas e tem sido chamado de Encontro de Outono da SBF (EOSBF), um dos eventos mais tradicionais da entidade. O evento reúne especialistas de áreas como física atômica e molecular, biológica, estatística e computacional, matéria condensada e materiais, física médica, física em empresas, óptica e fotônica, além de reunir a comunidade de física de plasma a cada dois anos. Mesmo por ser um grande evento, o porcentagem de participação das mulheres nos comitês e como palestradas foi bem menor que o porcentual da participação feminina total. E isso ocorre até mesmo no Para o SNEF. Leia os detalhes e veja os gráficos no link do artigo.

A análise da participação feminina em eventos científicos da SBF, que estão entre os maiores e mais prestigiosos eventos nacionais no Brasil, revela um desequilíbrio, especialmente nas atividades de gestão do evento e nos palestrantes convidados. Para Débora Peres Menezes, diretora de Avaliação de Resultados e Soluções Digitais (DASD) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ex-presidente da SBF, o estudo faz uma reflexão sobre a necessidade de maior participação das mulheres na coordenação desses eventos. Ela avalia, inclusive, que deveria haver uma regra rígida (há sugestões da Comissão JEDI nessa linha) que garantisse 50% das vagas de coordenação de eventos às mulheres. E, mesmo assim, a comunidade precisar dar chance para que mais mulheres tenham o seu reconhecimento enquanto palestrantes, algo que é muito importante no ambiente acadêmico.

“O problema que eu vejo e vivencio é que as mulheres que são convidadas são sempre as mesmas. E elas acabam ficando sobrecarregadas e, geralmente, recusam o convite. E a atitude não é achar outra mulher que está em menor evidência, mas buscar um homem que é mais fácil achar. E o foco deveria ser encontrar outra mulher, mesmo se estiver em estágio menos avançado na carreira. Se só damos visibilidade para as mesmas mulheres é difícil que outras também tenham destaque. É preciso ampliar a visibilidade”, afirma.

Como exemplo sobre a importância desse processo, Débora cita a nova composição da SBF, que no dia 16 de junho elegeu nova Diretoria, Conselho e Comissões de Áreas. Foi a primeira vez na história da SBF que o número de mulheres no Conselho superou o de homens: dos 12 cargos para o Conselho, sendo seis com mandato até 2027 e seis suplentes, com mandatos até 2025, 7 mulheres foram eleitas. “Acho fantástico, incrível. É o que acontece quando se dá visibilidade: a comunidade percebe o trabalho delas.”

Sobre os caminhos necessários para se elevar o número de mulheres nas ciências exatas, Débora avalia que deve ser preciso uma abordagem que deve começar na educação básica, quando as crianças estão abertas para buscar respostas às suas curiosidades. E, para isso, é necessário não apenas a valorização do professor, mas também o interesse do docente em ir além do básico. “Eu vejo que há muita coisa na ciência que vai além de plantar feijãozinho no algodão.” 

A SBF conta ainda com a Comissão de Justiça, Equidade, Diversidade e Inclusão (JEDI-SBF), que está atenta às demandas dos diversos grupos sub-representados dentro da Física, e realizará uma série de encontros virtuais de agosto a outubro para mapear demandas para elevar a inclusão de mulheres, comunidade LGBTQIA+, negros, povos originários e PCDs. Clique AQUI para conhecer as pautas a serem debatidas e realizar as inscrições.

(Colaborou Roger Marzochi)