O Brasil investe pouco mais de 1% de seu produto interno bruto (PIB) em pesquisa e desenvolvimento. De acordo com um relatório do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), em 2019 o país investiu cerca de R$ 89,5 bilhões nesse setor, o que corresponde a somente 1,21% do PIB. No entanto, de 2019 a 2020, constatou-se que houve uma redução de 8,2% nos valores totais investidos em pesquisa e desenvolvimento, que passaram a representar 1,14% do PIB. Enquanto o dispêndio público aumentou nesse período de 0,58% para 0,62%, o investimento empresarial caiu de 0,63% para 0,53%. E as perdas devidas a cortes orçamentários entre 2014 e 2021 totalizaram R$ 83 bilhões.
Em 2022, segundo o presidente do Sindicato Nacional dos Gestores Públicos em Ciência e Tecnologia, o orçamento para esse setor foi o menor dos últimos dez anos. O orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), uma das principais fontes de financiamento à pesquisa no Brasil, ficou 44,76% abaixo do valor no ano anterior. Entre 2014 e 2021, os valores dos orçamentos dos dois principais órgãos públicos de fomento à pesquisa, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (CNPq), tiveram quedas respectivas de 42,6% e 49,7%.
Isso torna escassos e muito disputados os recursos disponíveis para os pesquisadores em atuação no país, que se concentram nas universidades públicas. Nessa disputa, aqueles que trabalham nos grandes centros socioeconômicos, sobretudo na região Sudeste, encontram-se em situação vantajosa. Em São Paulo especificamente, os pesquisadores contam com as diversas modalidades de auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a FAP que investe mais recursos no desenvolvimento científico e tecnológico no país. Em 2021, a Fapesp desembolsou R$ 1.013.319.058 no fomento a 19.692 projetos de pesquisa vigentes no período. Desse total, 34,1% foram destinados às Ciências Exatas e da Terra e Engenharias (um total de R$ 345.541.798,78), que incluem a Física. Nos outros estados, a capacidade de investimento das FAPs é menor. Seus orçamentos são definidos pelas Constituições dos estados, mas nem sempre são integralmente repassados, o que dificulta o atendimento das necessidades regionais de investimento em pesquisa e desenvolvimento.
Nesse cenário, as áreas que potencialmente rendem mais aplicações, possibilidade de desenvolvimento tecnológico, inovação e patentes tendem a ser priorizadas em detrimento da ciência básica e do ensino. E grandes projetos temáticos, nos quais são investidas somas vultosas, têm recebido ênfase, favorecendo um número reduzido de grupos de pesquisa. Um estudo sobre a distribuição de recursos entre as diversas áreas do conhecimento analisou 130 editais formulados pelo CNPq entre 2011 e 2014 e constatou que a palavra mais frequente neles era tecnologia(s).
Outra medida da desigualdade no financiamento pode ser constatada por meio dos recursos disponibilizados pelo Edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) 01/2000, um montante de R$ 15 milhões, dos quais 63% foram destinados a pesquisadores da região Sudeste. O Rio de Janeiro obteve 34,5% do total, enquanto 16 estados das demais regiões obtiveram 37%. Um dado mais recente que atesta essa desigualdade vem das 1910 bolsas concedidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para o campo de Astronomia e Física em 2023: 1025 foram destinadas à região Sudeste, 400 à região Nordeste, 306 à região Sul, 101 ao Centro-Oeste e apenas 78 à região Norte.
A pesquisadora Rogelma Maria da Silva Ferreira, professora do Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas (Cetec) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), trabalha na área de Física Estatística com ênfase em dinâmica molecular. Ela realiza simulações para o estudo da dessalinização da água, dado que a escassez de água potável é uma preocupação mundial. “Procuro entender o comportamento da água interagindo especialmente com o nitreto de boro”, conta Ferreira. Os custos de suas pesquisas são altos, porque elas dependem do uso de um conjunto (cluster) de computadores para a obtenção dos cálculos referentes à dinâmica molecular. E tem sido difícil obter financiamento. “A maioria dos editais das agências de fomento faz algumas exigências que estão fora do contexto de pesquisadores que estão atuando em universidades relativamente novas, tais como a quantidade de artigos publicados em periódicos e o percentual do número de pesquisadores exigidos da mesma universidade do proponente”, relata Ferreira.
A maioria das instituições de ensino criadas mais recentemente no país fica em regiões afastadas dos grandes centros, onde se localiza a maior parte das universidades tradicionais brasileiras, nas quais existem grupos de pesquisa e se concentram os pesquisadores com maior nível de produtividade. No edital do CNPq usado como exemplo anteriormente, 75% dos projetos da faixa A, contemplados com recursos que vão de R$ 50 mil a R$ 100 mil, ficaram com pesquisadores do nível 1 de produtividade, que atuam principalmente em universidades do Sudeste.
De acordo com Ferreira, que participa da Comissão de Justiça, Equidade, Diversidade e Inclusão (JEDI) da Sociedade Brasileira de Física (SBF), nas universidades mais novas ainda não existem grupos de pesquisa, e sim profissionais que realizam suas pesquisas de maneira isolada. Isso ocorre porque elas, em geral, ainda não possuem programas de pós-graduação, que são os principais produtores de pesquisa científica nas universidades. Com isso, essas instituições não contam com um ambiente acadêmico que favoreça a pesquisa. “Na UFRB, onde estou, por exemplo, o curso de bacharelado em Física, foi criado em 2017 e, assim, ainda temos poucos alunos. Dessa maneira, consigo hoje fazer pesquisa graças à colaboração que eu tenho com o grupo de pesquisa de uma pesquisadora que atua em um grande centro”, conta Ferreira.
Já Fernanda Selingardi Matias, do Instituto de Física da Universidade Federal de Alagoas, em Maceió, realiza pesquisas nas áreas de física de sistemas complexos, dinâmica cerebral, neurociência computacional e análise de dados eletrofisiológicos. Ela acredita que um dos maiores problemas decorrentes da desigualdade no financiamento é a dificuldade que os estudantes enfrentam para participar de eventos realizados na região Sudeste. “Acaba sendo mais difícil o intercâmbio entre grupos de pesquisas e visitas científicas devido à distância geográfica e aos preços das passagens. Essa situação deve ser parecida para o pessoal de todo o Nordeste e do Norte também”, afirma Matias. Além disso, a situação é melhor para aqueles que atuam nas capitais dos estados do que para quem trabalha no interior.
Por sua vez, a pesquisadora Bianca Martins, docente de Física Geral da Universidade Federal do Acre (UFAC), atua na área de Ensino de Física e Formação Inicial e Continuada de Professores. Nessa área, são escassos os recursos para a pesquisa com equipamentos de laboratórios didáticos, que acabam sendo realizados com materiais de baixo custo. Martins atua na UFAC desde 2016 e até agora só obteve recursos para sua pesquisa uma vez, por meio de um edital interno, fomentado pela própria universidade: pouco mais de R$ 4 mil para comprar equipamento de laboratório para o ensino de física.
“Existem dificuldades nos laboratórios de ensino para atender minimamente às disciplinas experimentais de Física para os cursos de graduação da UFAC. Ficamos mais de um ano sem funcionário (técnico de laboratório) para os laboratórios das disciplinas de experimentação, bem como pilha e multímetro, entre outros. Atualmente, temos apenas um funcionário técnico de laboratório”, conta a pesquisadora. Além disso, há diversos professores de Física na UFAC que não têm sala fixa para trabalhar e outros dividem sala com outros três professores. “Estamos tentando ocupar um prédio que não serviu para o fim para o qual foi construído e ficou parado ao relento. Queremos colocar uma estrutura minimamente adequada nele para que possamos ocupá-lo, conforme foi prometido pela reitora da universidade”, conta Martins. Essa situação se reflete na pesquisa em ensino de Física por meio do Mestrado Profissional em Ensino de Física e do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática da UFAC, pois se torna difícil viabilizá-la. A pesquisadora acredita que enfrentaria menos dificuldades para obter financiamento se atuasse em grandes centros, onde as universidades podem contar com recursos específicos para essa área.
Para combater a desigualdade entre as regiões no financiamento das pesquisas em Física, Ferreira acredita que os editais de pesquisa devem levar em consideração que é injusta a concorrência entre os pesquisadores de grandes centros, nos quais já se consolidaram grupos de pesquisa de excelência que contam com alunos de pós-graduação contribuindo para a produção acadêmica, e os pequenos centros, onde os pesquisadores trabalham sozinhos e, consequentemente, publicam uma quantidade menor de artigos por ano. No caso de Martins, os editais locais visam muito às áreas ambientais por questões regionais. Na opinião dela, deveria haver mais editais voltados à pesquisa na área de ensino, tanto locais quanto nacionais. A JEDI tem buscado debater esse assunto e encontrar formas de enfrentá-lo. “Estamos começando a pensar sobre esse problema agora e a articular ideias para enfrentar essas dificuldades”, afirma a pesquisadora Monyke Hellen dos Santos Fonseca, doutoranda da área de Astrofísica e membro do JEDI. Segundo outro membro da JEDI, a professora Rogelma Ferreira, a comissão está buscando maneiras de abordar esse tema, começando pela apresentação desse problema dentro da própria SBF.