Uma colaboração teórica-experimental ajuda a compreender novas condições para a formação de nanoestruturas de spins e sua manipulação

A spintrônica é uma área de crescente importância que manipula informações por meio do chamado spin do elétron, o qual é responsável pelo magnetismo em materiais desde os primórdios da humanidade. Entretanto, o uso do movimento de spins é até hoje limitado por muitos fenômenos físicos ainda não desvendados, abrindo um leque imenso de novas estruturas que misturam Física de Partículas, Mecânica Quântica e Mecânica Estatística. Um grande avanço tem ocorrido do ponto de vista experimental na chamada área de Nanomagnetismo, que estuda esses fenômenos em escala de nanômetro (10-9 m), com impressionante aceleração do conhecimento decorrente de novas técnicas de fabricação de materiais, nunca antes imaginados, que manipulam ou crescem pequenos grupos de átomos por vez. 

Entre as novas e interessantes nanoestruturas magnéticas se destaca uma verdadeira corrida mundial na direção dos chamados skyrmions, que tiveram sua real existência comprovada em laboratório, em experimento realizado em 2009. São estruturas de spins arranjadas como redemoinhos, inicialmente propostas teoricamente pelo físico inglês Tony Skyrme, em 1962, no seu estudo sobre partículas elementares, sem conhecimento na época, de sua possível futura aplicação em nanomagnetismo e spintrônica. Entretanto, a busca por materiais candidatos que apresentem skyrmions em condições apropriadas para aplicações tecnológicas apresenta vários desafios em termos de conhecimento. A chamada interação de Dzyaloshinskii-Moriya (DMI), proposta pelos físicos Igor Dzyaloshinskii e Tôru Moriya, na década de 1950, desempenha um papel fundamental na estabilização de estruturas magnéticas topológicas, como os skyrmions

A física Pamela Costa Carvalho, aluna de doutorado do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), explica que os skymions podem surgir em multicamadas (sanduíches) de materiais pesados (formado por elementos com grande número atômico na tabela periódica) e materiais magnéticos. A interação DMI necessária para essa formação topológica da matéria foi, durante muito tempo, verificada apenas em sanduíches assimétricos de materiais, como, por exemplo, no sistema composto por camadas superpostas de irídio, platina e cobalto (Ir/Co/Pt). E apesar de, por muito tempo, a verificação da formação de skyrmions em sistemas simétricos não tenha sido verificada, pesquisadores do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, no interior de São Paulo, observaram skyrmions no sistema de paládio, cobalto, paládio (Pd/Co/Pd) em 2019. Esse resultado é surpreendente, uma vez que se trata de uma multicamada simétrica, e a explicação permanece como um desafio em aberto.

Em uma parceria entre pesquisadores do IF-USP, da Universidade Federal do Pará (UFPA), da Universidade de Uppsala (Suécia) e do LNLS, os cientistas descobriram que uma das possíveis origens para o surgimento dos skyrmions em sanduíches simétricos são imperfeições na interface desses materiais, o que pode ocorrer naturalmente no processo experimental de crescimento de amostras. O resultado foi publicado no trabalho “Correlation of Interface Interdiffusion and Skyrmionic Phases” pelos autores Pamela C. Carvalho, Ivan P. Miranda, Jeovani Brandão, Anders Bergman, Júlio C. Cézar, Angela B. Klautau e Helena M. Petrilli, em maio deste ano, no periódico Nano Letters, na área de Física e Química de Materiais.

Pamela, uma das cientistas responsáveis pelo artigo, reforça que ao depositarem as camadas de Pd e Co, há uma forte probabilidade dos elementos químicos se misturarem em alguns pontos (interdifusão), causando imperfeições nas interfaces. E, por causa destes “defeitos”, torna-se possível detectar a presença de skyrmions em materiais onde normalmente não seriam encontrados (multicamadas simétricas), conforme observado experimentalmente.Isso abre uma nova perspectiva sobre os mecanismos que regem o magnetismo em tais materiais em determinadas situações. “Construir uma amostra que não é perfeita, no fim das contas, pode ser uma coisa boa!”, brinca a jovem cientista. 

Com o avanço das pesquisas, essas formações de spins poderiam ser usadas no desenvolvimento de novos dispositivos de gravação magnética de dados, com a mesma função das Hard Disk Drives (HDDs), mas com uma maior capacidade de armazenamento, por exemplo. No entanto, ela explica que apesar da aplicação tecnológica, as condições de formação dos skyrmions ainda estão sendo investigadas, sendo que este trabalho contribui nesta direção. “Colocamos em perspectiva multicamadas simétricas na busca por skyrmions, além de mostrar qual o papel que os defeitos presentes nas interfaces de materiais podem desempenhar na estabilização dessas nanoestruturas.”

(Colaboração de Roger Marzochi)