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Técnica pode ajudar no desenvolvimento da computação quântica até a caracterização de materiais

Roger Marzochi

Os estudos sobre as propriedades da luz e sua interação com a matéria foram fundamentais para o início da Física Quântica no fim do século 19. E é na luz que um grupo de cientistas brasileiros e estrangeiros tem focado sua investigação na busca de explicações sobre o entrelaçamento quântico, no qual duas partículas distintas ou duas propriedades independentes de uma mesma partícula possuem correlações mais fortes do que as permitidas por estatísticas clássicas, um dos fenômenos que mais intrigam os cientistas. Desvendar esse mistério pode ser a fórmula que faltava para impulsionar aplicações na computação quântica, na transmissão de informações quânticas, na metrologia e diversas outras.

É a esses estudos da luz usando lasers que se dedica o cientista Antonio Zelaquett Khoury, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). Em março, Khoury publicou com o cientista Thierry Ruchon, da Universidade de Paris-Saclay, entre outros pesquisadores, o artigo “Nonlinearup-conversion of a polarization Möbius strip with half-integer optical angular momentum”, na revista Science Advances. O trabalhou contou com financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Informação Quântica (INCT), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Agência Nacional de Pesquisa da França, entre outros.

O estudo se baseou na análise do “momento angular generalizado” de um feixe laser. Na Óptica denominamos de propagação “paraxial” aquela que ocorre com uma direção bem determinada, como a de um feixe laser, ao contrário do que ocorre com a luz do seu quarto que é emitida por uma lâmpada presa no teto e se espalha por todo o ambiente sem uma direção definida. A propagação de um laser (paraxial) pode ser pensada como o escoamento de um fluído, assim como a água, onde podemos imaginar a formação de redemoinhos ou vórtices. Na Física, essa “rotação” é uma grandeza que pode ser quantificada, até mesmo no fluxo de luz. Trata-se do “momento angular generalizado”. Além disso, a luz é uma onda transversal, isto é, ela é formada por campos elétricos e magnéticos que vibram perpendicularmente à direção de propagação. Denominamos “polarização” a direção de vibração do campo elétrico que constitui o feixe de luz. O momento angular generalizado descreve a formação de padrões em que polarização varia de um ponto para outro do feixe formando uma “topologia não trivial”.

A Topologia é uma área da Matemática que estuda a propriedade de conjuntos e objetos geométricos sob deformações. É na geometria o grande salto: o que o grupo de cientistas fez nesse trabalho foi ajustar o laser de maneira que fosse criada, no processo de polarização do feixe, um tipo de fita de Möbius, figura criada pelo matemático e astrônomo alemão August Ferdinand Möbius, em 1858. Se você colar duas extremidades de uma fita você forma um anel; mas se, antes de colar as extremidades, girar uma delas, criará uma figura geométrica na qual não há parte interna ou externa definidas. “É como o logotipo do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa)”, explica Khoury. “A fita é uma representação do que fazemos no laboratório. Eu pego cada ponto do spot do laser e vou empilhandoa polarização. E, quando você dá uma volta completa no feixe, isso forma algo análogo à fita de Möbius.”

Figura 1: Exemplos de polarização de Möbius com uma (esquerda) e múltiplas (direita) torções

Segundo Khoury, o estudo e o envolvimento do laboratório da UFF nesse processo têm dois pontos fundamentais. O primeiro é entender que essas estruturas de polarização são análogas a estados emaranhados na Física Quântica. “O emaranhamento é uma das coisas mais importantes para a Física Quântica, para o processamento e transmissão de informação quântica. Nós, na pesquisa no laboratório da UFF, mostramos que essa estruturação da polarização do feixe do laser é análoga ao emaranhamento de estados quânticos da Física Quântica”, afirma o cientista.

Figura 2: Padrões de polarização de Möbius para os harmônicos de 7 a 13 em configuração colinear (esquerda) e não colinear (direita) dos feixes de entrada no gás.

E, em segundo lugar, a pesquisa publicada em março comprovou que essas estruturas de polarização se transferem e se comunicam dentro de processos ópticos não-lineares. Essa luz em formato de fita de Möbius quando disparada sobre gazes nobres como argônio e neônio, ionizam os átomos dos gases, gerando harmônicos. Por exemplo, ao se projetar luz infravermelha esse processo gera luz violeta, um triplo da freqüência inicialmente aplicada, que seria o terceiro harmônico. “Quando você gera vários harmônicos, a maior parte está no ultravioleta e são cores que não enxergamos. Os harmônicos começam no visível e passam para o ultravioleta e ultravioleta extremo, indo até os chamados raios-x “moles” (soft X-rays)”, conta o cientista.

Figura 3: Esquema do experimento da Université Paris-Saclay

Experiências com a realização de segundo harmônico em cristais são freqüentes no laboratório da UFF que, aliás, encantou o francês Thierry Ruchon há cerca de dez anos, quando este fez seu pós-doutorado na universidade brasileira e levou sua experiência para a França. Mas o estudo em questão foi realizado no laboratório da Universidade de Paris-Saclay, cujos potentes lasers conseguem produzir harmônicos ímpares tão altos quanto 51 a partir da luz inicial de projeção. “O feixe original em infravermelho era projetado com a polarização em fita de Möbius e as dezenas de harmônicos carregavam a mesma estrutura de polarização. É um feito muito difícil de produzir e de medir”, diz Khoury.

Os harmônicos são também muito utilizados para a caracterização de materiais, avaliando como absorvem e refletem esses feixes para saber a composição de suas estruturas e identificar a presença de “anisitropia” nos materiais. Os óculos do cinema 3 D, por exemplo, têm propriedades estruturais anisotrópicas que bloqueiam ou permitem a passagem de luz em determinada polarização, que gera o efeito da mágica cinematográfica. “E essas estruturas de polarização que estudamos permitem caracterizações mais completas de anisotropia dos materiais”, diz Khoury. O estudo desse grupo de cientistas também abre agora caminho para manipulações mais refinadas e aplicações de feixes de luz contendo singularidades de polarização de ordem fracionária, as quais são estudadas através do momento angular generalizado.