Por Eloah Corrêa
Para a Professora Nadja Bernardes, o interesse pela Física partiu de dentro de casa. Seu pai era físico e foi a sua primeira inspiração. Iniciou seus estudos na sua cidade natal, Belo Horizonte. Cursou física na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), defendeu sua dissertação de mestrado pela mesma instituição. Começou seu doutorado na Universidade de São Paulo (USP), porém resolveu ir para a Alemanha recomeçar o curso em uma nova área de pesquisa. Estudou no Instituto Max Planck em uma cidade chamada Erlangen, no sul do país. Retornou à sua alma Matter (UFMG) para realizar pós-doutorado e entrou para o Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde se dedica às áreas de Óptica Quântica e Informação Quântica.
Enxergamos alguns aspectos da trajetória da Dr.ª Bernardes como sendo muito similares à primeira doutora brasileira em Física, Sonja Ashauer. Ambas possuem ascendência alemã. Tanto o pai de Sonja como o de Nadja estimularam-nas, desde cedo, no mundo da ciência. Ashauer e Bernardes realizaram o doutorado fora do Brasil; Sonja, em Cambridge, Inglaterra, enquanto Nadja retornou à terra dos seus ancestrais: a Alemanha. Infelizmente não pudemos absorver todo o potencial de Sonja Ashauer em virtude do seu falecimento, aos 25 anos, quando retornou do doutorado. Entretanto, tanto Nadja Bernardes quanto Sonja Ashauer são fundamentais para a história das físicas brasileiras.
A mecânica quântica surgiu no século 20. Já a área de informação quântica, ganha cada vez mais força neste século 21. Entre outras aplicações, esta tecnologia consegue transmitir informação de maneira mais segura e acelerar cálculos computacionais. É uma área multidisciplinar, pois seus conhecimentos compreendem a Física, a Ciência da Computação, a Matemática e a Engenharia. A pesquisa de Nadja Bernardes se debruça sobre as possibilidades da transmissão da informação e no seu processamento (computação quântica).
Como as áreas que circundam a área da Informação Quântica – Física, Matemática, Ciência da Computação e Engenharia – são muitas vezes vistas como eminentemente masculinas, pedimos que Nadja refletisse sobre a quantidade de mulheres que ela pôde acompanhar ao longo de um caminho de 20 anos de formação entre graduação e pós-doutorado. A física rememorou que havia 10 estudantes mulheres no início da graduação, ao final, cinco jovens se graduaram. Em seu período de doutorado, havia 3. Ela lembra que a discussão do desequilíbrio de gênero é recente, logo, não se dava conta realmente desse descompasso. “Nos níveis de pesquisadora sênior, mulheres ainda são mais raras. É possível entrar em uma sala de conferência com 100 pessoas e haver duas mulheres”, exemplificou. Ela comprova que há departamentos de física onde as mulheres simplesmente não existem. Falando sobre o seu local de trabalho, a UFPE, à época em que ela ingressou no Departamento de Física, havia 40 docentes e, dentre eles, uma única mulher. Não é um dado que surpreenda. Bernardes já deu aula para o curso de Engenharia onde, na sala, havia 2 meninas em 120 alunos. A física expressou o quanto este ambiente não traz conforto para uma mulher. Mesmo já percorrendo todo o caminho de uma pesquisadora experiente, ela descreveu a situação como assustadora. Nadja tem tido bastante colaboração com mulheres nas suas atividades pesquisa, entretanto, fez uma reclamação. A discussão sobre diversidade na ciência – pois ela alertou também para o desequilíbrio racial – acaba sempre sendo levada adiante por uma minoria engajada. A cientista entende que a diversidade tem que estar na mesa de café da manhã de todos: homens brancos e cisgênero precisam ser abertos e estar disponíveis. Afinal, quem sofre opressão não pode dar conta de resolver o problema.
Retomando o começo da infância de Nadja, a astrofísica foi o carro-chefe para querer a mesma profissão de seu pai. A paixão pela matemática também teve um peso por esta escolha. Ela nos confessou que quando encarou a astrofísica durante o curso não deu match. Seu verdadeiro encontro se deu com a disciplina de mecânica quântica. Coincidentemente, este ano o filme escolhido para representar o Brasil no Oscar foi Marte Um. Além do filme ser realizado por um conterrâneo, o cineasta mineiro Gabriel Martins, o protagonista do filme sonha em ser astrofísico. Pensando no filme, Nadja reforçou que buscar entender o mistério que envolve a natureza continua seduzindo jovens ao mundo da Física. A propósito, é importante salientar que este filme só pôde ser produzido por uma política pública direcionada a realizadores negros.
A professora Nadja Bernardes crê que um grupo minoritário sempre enfrentará desafios. Isso não se dá apenas pela falta de representatividade, mas também porque a estrutura atual dificulta avanços. Ela citou dois importantes estudos realizados pela revista Nature e pelo Parent in Science, coletivo que discute a questão do impacto da parentalidade na ciência. No ano passado, a Nature publicou um estudo no qual demonstra que artigos de primeira autoria feminina são muito menos citados do que os de primeira autoria masculina. Um estudo do Parent in Science apontou que os homens têm seus pedidos de bolsa de produtividade mais aprovados que suas colegas mulheres. Trazendo a questão para a área de exatas, esta diferença significativa vem ocorrendo há alguns anos. Bernardes comentou que as informações estão aí, mas faltam políticas que combatam essas desigualdades. Segundo a física, a política de cotas nas universidades, que completam 20 anos, demonstrou êxito. A pergunta que fica é: quando as políticas de inclusão serão implementadas?
Nadja alertou que nem sempre ter uma mulher em algum cargo de liderança é automaticamente positivo. Entretanto, a recém-empossada Ministra de Ciência, Tecnologia e Inovações, Luciana Santos, é uma pessoa séria e provavelmente, como mulher nordestina, está sensível tanto aos aspectos de gênero como aos desequilíbrios regionais abissais que o Brasil tem. Ela ressaltou que apenas aumentar o quantitativo feminino não é o suficiente: outros aspectos da diversidade precisam estar presentes. A física advertiu ainda que se fazem necessárias políticas que tenham um olhar que beneficiem a ciência a nível nacional e contemplem a diversidade. Assim, de modo geral, ela viu a nomeação da Ministra da Ciência, Tecnologia e Inovações com bastante entusiasmo.
Nadja expôs que, desde 2016, com a falta de investimentos na ciência, poucos alunos entraram para a pós-graduação. Neste sentido, os estudantes que compuseram este corpo discente presumidamente têm um privilégio. A crise não os afetou. Em consequência disso, a diversidade provavelmente foi afetada, posto que os grupos subrepresentados normalmente têm barreiras estruturais que dificultam o seu acesso.
Em sua estadia na Alemanha durante o Doutorado, Nadja percebeu que a questão do desequilíbrio de gênero não é exclusiva do Brasil. Ainda que a estrutura científica alemã obedeça a uma hierarquia muito mais rígida que a nossa, as mulheres não têm muito espaço. Há políticas que visam diminuir este vácuo, mas não foi possível ver mudanças até agora. A física aconselha que mulheres e meninas que queiram seguir a carreira da Física não se isolem. Que busquem coletivos e projetos de inclusão para poder trocar experiências. Bernardes atestou ainda que infelizmente o curso de Física tende a responsabilizar individualmente o estudante por suas dificuldades. Tendo em conta que não se trata de um curso fácil, a troca de experiências e vivências entre iguais é extremamente valiosa.
Entre 2000 e 2017, período da graduação ao pós-doutorado, Nadja Bernardes observou que a discussão da questão de gênero possivelmente teve mais destaque no campo da Física do que em outras áreas. Ela comprova que há mais mulheres na Física do que quando começou, porém ainda sente uma lentidão nas mudanças. A física sugeriu três perfis interessantes para mulheres e meninas nas redes sociais: Parent in Science, sobre a questão da maternidade e a ciência; Bate-papo com Netuno, representa as mulheres da Oceanografia e Gênero e Número, que traz dados sobre diversos aspectos das questões de gênero.
Obrigada, Nadja. O papo foi muito bom!