Evento gratuito no Instituto de Física une a celebração do marco de 90 anos da organização da área de Física na Universidade com uma reflexão sobre caminhos e perspectivas para a ciência brasileira.

A programação do simpósio “90 anos de Física na USP: Revisitando o Passado e Pensando o Futuro” coloca em debate a atuação do IFUSP nos três pilares da Universidade: Pesquisa, Ensino e Extensão. Com proeminentes convidados e temas transversais que afetam diversas instituições de ensino e pesquisa, o evento apresentará um amplo panorama de discussões, que inclui conversas sobre bolsas e financiamento, diversidade na ciência, avaliação da pós-graduação, memórias sobre a criação dos cursos do IFUSP, relações entre pesquisa e inovação, entre outras atividades.

“A ciência brasileira enfrenta novos desafios. O crédito – nos diferentes sentidos da palavra – dado à ciência não é mais o mesmo. Cada vez mais a prática da ciência ‘desinteressada’ é questionada, o que exige novas respostas à sociedade. Mas não são apenas questões sociais que merecem atenção, há questões epistemológicas que também se impõem. A separação entre o que seria ciência básica e aplicada se tornou menos definido, o que exige com que a Física precise rever sua autoimagem. Também vivemos um momento de Big Science, em que projetos de ponta são resultados de empreendimentos com centenas de pessoas.” – aponta o pesquisador Ivã Gurgel, coordenador do Simpósio.

  • 90 anos de Física na USP: Revisitando o Passado e Pensando o Futuro
  • De 21 a 25/10. No auditório Abrahão de Moraes do Instituto de Física da USP, com transmissão ao vivo pelo YouTube. Mais informações pelo site https://e.usp.br/r6z 

90 anos de Física na USP: Revisitando o Passado e Pensando o Futuro

Em 1934 um novo capítulo da história das ciências se abriu no Brasil com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), que também marcaria as origens da Universidade de São Paulo (USP). As escolas de formação profissional, como a Escola Politécnica fundada em 1893, passaram a compor a USP, mas sua célula mater seria a FFCL, dedicada ao que era chamado de “Ciências Desinteressadas”. Para compor seu corpo docente foram planejadas missões à Europa que trouxeram pesquisadores para apoiar a criação de cursos e grupos de pesquisa na FFCL. Para liderar a subseção de Física, por indicação de Enrico Fermi, veio ao Brasil o ítalo-ucraniano Gleb Wataghin. Embora fosse um teórico de campos, Wataghin elegeu a física experimental de raios cósmicos como linha de pesquisa que estruturou a criação do que ficou mais conhecido como “Departamento de Física” da USP. Esta era uma área que permitiu os primeiros estudos de partículas em altas energias através de uma instrumentação ao mesmo tempo sofisticada e barata. Em seguida, em 1937, o italiano Giuseppe Occhialini também vem ao Brasil, o que seria um grande reforço por ser um físico experimental com grande habilidade em instrumentação científica.

Um grupo de estudantes se tornaram o grande alicerce de Wataghin e Occhialini. Estes últimos apresentam a esse jovens pesquisadores um novo olhar para a Física, mostrando seus problemas em aberto e destacando a importância da investigação teórica e experimental nas ciências, que busca resultados novos. Eles também instauram no Brasil uma nova postura em relação a como se inserir na comunidade científica, imprimindo no Departamento de Física um forte espírito internacionalizante. Além de fazer pesquisas de alta qualidade, Wataghin e Occhialini buscam estar conectados com a Física feita mundo afora, acompanhando seus desenvolvimentos. Já nestas primeiras décadas de pesquisa, muitos de seus estudantes viajam ao exterior e entram em contato com cientistas de renome. Por exemplo, Marcello Damy de Souza Santos foi fazer pós-graduação com William Lawrence Bragg, na Universidade de Cambridge, em 1938; Mario Schenberg, entre 1938 e 1939, trabalhou primeiramente com Enrico Fermi na Universidade de Roma e posteriormente com Wolfgang Pauli na Universidade de Zurique e com Frédéric Joliot-Curie no Collège de France; Paulus Aulus Pompeia foi trabalhar com Arthur H. Compton, na Universidade de Chicago, em 1940; e Sonja Ashauer foi fazer seu doutorado com Paul Dirac em Cambridge em 1945, se tornando a primeira mulher brasileira a obter um PhD em Física.

Dentre a primeira geração de estudantes da FFCL, César Lattes é um dos que irá adquirir uma das maiores notoriedades tanto no cenário brasileiro como internacional. Curitibano, completaria 100 anos em 2024. Ingressou na FFCL em 1941 e rapidamente passou a atuar no grupo coordenado por Wataghin e Occhialini, colaborando com as pesquisas em raios cósmicos. À época o modelo de Hideki Yukawa para as interações fortes já havia sido publicado e detectar o Méson π era um dos maiores desafios experimentais para a ciência. Com o apoio de colaborações internacionais, Lattes lidera a detecção do Méson π primeiramente em Raios Cósmicos e, em um segundo momento, com Aceleradores de Partículas. Esta descoberta não projeta apenas o nome de César Lattes, mas toda a ciência feita na FFCL-USP. Nos anos que se seguem Lattes irá se tornar uma liderança científica destacada, participando da criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Física (CBPF), em 1949, e do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), em 1951.

Wataghin deixa a FFCL em 1949, mas a tradição criada por ele permanece. Nos anos de 1950 outros professores estrangeiros vêm à USP, entre eles nomes consagrados como Guido Beck e David Bohm. No final dessa década Lattes retorna à USP e recria o grupo de raios cósmicos, agora como parte de uma colaboração com o Japão. Mas a tradição experimental se renova ao longo dos anos, com a criação de novos laboratórios já na Cidade Universitária. Destaque à construção do Acelerador Eletrostático Van de Graaff; um acelerador de partículas construído inteiramente no Brasil, com a liderança de Oscar Sala. Um projeto como esse em uma época em que no Brasil a indústria ainda era incipiente é algo digno de nota. 

Com a reforma Universitária a FFCL se desmembra e são criados institutos específicos. Em 1970 começa a funcionar o Instituto de Física, inicialmente com três departamentos; Física Nuclear, Física Experimental e Física dos Materiais e Mecânica. Nos anos seguintes novos departamentos são criados: Física-Matemática, Física Geral e Física Aplicada. O resultado líquido é que hoje temos um instituto com grande diversidade em áreas de pesquisa, cobrindo todas as principais subáreas da Física. A vocação internacional criada por Wataghin se mantém, o que é facilmente verificável pela produção científica do IFUSP.

Contudo, hoje a ciência brasileira enfrenta novos desafios. O crédito – nos diferentes sentidos da palavra – dado à ciência não é mais o mesmo. Cada vez mais a prática da ciência “desinteressada” é questionada, o que exige novas respostas à sociedade. Mas não são apenas questões sociais que merecem atenção, há questões epistemológicas que também se impõem. A separação entre o que seria ciência básica e aplicada se tornou menos definido, o que exige com que a Física precise rever sua auto-imagem. Também vivemos um momento de Big Science, em que projetos de ponta são resultados de empreendimentos com centenas de pessoas. 

O Simpósio “90 anos de Física na USP: Revisitando o Passado e Pensando o Futuro” busca unir celebração e reflexão sobre o futuro da ciência brasileira. Sua programação coloca em debate a atuação do IFUSP nos três pilares da Universidade: Pesquisa, Ensino e Extensão.