Detector de neutrinos japonês Super Kamiokande


Artigo Celebrativo

Para comemorar os 25 anos da descoberta das oscilações dos neutrinos, Farinaldo Queiroz, professor do Departamento de Física Teórica e Experimental (DFTE) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Líder do Grupo de Física de Partículas e Astropartículas no Instituto Internacional de Física, escreveu um artigo sobre o tema, relembrando os cientistas estrangeiros e brasileiros que realizaram pesquisas importantes nessa área. Acompanhe a sua análise especial nesta colaboração para a SBF:

25 anos da descoberta das oscilações dos neutrinos e a física de neutrinos no Brasil

Farinaldo Queiroz, UFRN, Membro da comissão da área de Física de Partículas e Campos

Há 25 anos as oscilações dos neutrinos foram observadas. Em 5 de junho de 1998, o Dr. Takaaki Kajita apresentou os resultados da análise das oscilações atmosféricas de neutrinos na Conferência Internacional de Neutrinos realizada em Takayama, província de Gifu, Japão. O título era “Atmospheric neutrino results from Super-Kamiokande & Kamiokande – Evidence for numu oscillations”.

Durante sua apresentação, o Dr. Kajita mostrou pela primeira vez a proporção observada de neutrinos de elétrons para neutrinos de múon registrada pelo detector Kamiokande. Ele ressaltou que a razão observada desviou-se do valor teórico, indicando que o número de neutrinos de múons detectados foi menor do que o esperado. Além disso, ele apresentou os resultados da análise dos dados do Super-Kamiokande, concluindo que o déficit no número de neutrinos de múon vindos do lado oposto da Terra era estatisticamente significativo, fornecendo assim uma evidência robusta das oscilações de neutrinos.

Até aquele momento os neutrinos eram tidos como partículas sem massa, em concordância com o Modelo Padrão das Partículas Elementares. Esta descoberta abriu as portas para novas fronteiras na física. A descoberta das oscilações de neutrinos nos experimentos atmosféricos Super-Kamiokande, SNO, e no reator KamLAND foi uma primeira evidência em favor de uma Física Além do Modelo Padrão na física de partículas.

A descoberta das oscilações de neutrinos levou a uma campanha experimental mundial usando aceleradores e reatores como fonte de neutrinos. Reconhecendo essa conquista, o Dr. Kajita recebeu o Prêmio Nobel de Física em 2015 em companhia de Arthur McDonald, que desempenhou um papel de liderança a frente da colaboração SNO.

Além de celebrar esse marco histórico, gostaríamos de destacar o papel de pesquisadores atuantes no Brasil nessa jornada. A história é muito longa e para evitar deixar nomes importantes de lado, iremos nos resumir a alguns fatos importantes. A primeira contribuição de um pesquisador no Brasil veio de Mário Schenberg (USP) em 1941 em um artigo intitulado “Neutrino Theory of Stellar Collapse”, com nada mais nada menos que George Gamow (Univ. de Washington). Em 1982, Carlos Escobar (UNICAMP) e Vicente Pleitez (IFT) foram visionários e já discutiam a possibilidade de neutrinos massivos com o artigo “An SU(2) x U(1) model with massive neutrinos and CP violation in the leptonic sector”. Vale relembrar que Vicente Pleitez defendeu sua tese de doutorado em 1982 com título “Consequências Fenomenológicas de um Setor de Higgs Extendido” tendo precisamente Carlos Escobbar como orientador. Neste mesmo ano, Carlos e Vicente já começaram a propor Física Além do Modelo Padrão no decaimento beta-duplo sem neutrino com o artigo “Some New Contributions to Neutrinoless Double Beta Decay in an SU(2)x U(1) Model”. Estes dois últimos foram os primeiros artigos da comunidade brasileira a discutir Física Além do Modelo Padrão envolvendo neutrinos. Em 1984, Reuven Opher, norte-americano e professor emérito no IAG-USP, abordou a ideia de detectar neutrinos massivos em espalhamentos coerentes. Ainda em 1984, Adriano Natale, recém-doutor (IFT-UNESP), publicou um artigo intitulado “Massive Neutrinos and Cosmology” durante um pós-doutorado no Laboratório de Berkeley. A Física de Neutrinos evoluiu rapidamente desde então. Em 1991 Marcelo Guzzo (UNICAMP) publicou um artigo intitulado “On the MSW effect with massless neutrinos and no mixing in vacuum” com Serguey Petcov e Antonio Masiero, onde ainda se explorava a ideia de neutrinos sem massa. No final da década, estudos de interações além do Modelo Padrão envolvendo neutrinos já era explorada frequentemente. Ao fazer uma longa busca no INSPIRES por instituições brasileiras nesse tema, podemos encontrar artigos com Carlos Pires (UFPB), Felipe Pisano (IFT-UNESP), Renata Funchal (USP), Orlando Peres (UNICAMP), Hiroshi Nunokawava (PUC-RJ), Pedro Holanda (UNICAMP), etc. Essa turma de excelentes pesquisadores focou suas investigações na área de Física de Neutrinos e consequentemente contribuíram enormemente para a criação de uma comunidade científica.

Como não havia muitos pesquisadores no Brasil atuantes nessa área ainda, vários desses artigos foram feitos em colaboração com pesquisadores do exterior. É justo dizer que a área de neutrinos já nasceu no Brasil alinhada com a comunidade internacional. Um autor recorrente foi Alexei Smirnov, um pesquisador renomado com o Prêmio Sakurai em 2008 e Medalha de Einstein em 2016. Alexei é atualmente pesquisador do Instituto Max Planck de Física Nuclear na Alemanha. 

Na área experimental, pesquisadores como Hélio da Mota (CBPF), Carlos Escobar, e Philppe Gouffon (USP) que trabalharam para as colaborações MINERVA e MINOS, tiveram um papel fundamental no desenvolvimento dessa área de pesquisa no Brasil. Constatamos que Ernesto Kemp (UNICAMP) também aparece como coautor de estudos focados em neutrinos pela colaboração LVD no final da década de 90 e início dos anos 2000s. Uma demonstração clara do crescimento da área de Física de Neutrinos veio em 2005, com um artigo histórico intitulado “Angra neutrino project: Status and plans” onde nele era proposto um novo reator nuclear para estudar oscilações de neutrinos. Este artigo foi assinado por João dos Anjos (ON), Ademarlaudo Barbosa (CBPF), Renata Funchal, Ernesto Kemp, Javier Magnin (CBPF), Hiroshi Nunokawa, Orlando Peres e Ronald Shellard (CBPF).

Interessante perceber como a área de Física de Neutrinos surgiu. Após trabalhos pontuais de alguns, grupos de pesquisa foram formados, e fortes colaborações surgiram. É exatamente assim que uma comunidade científica é forjada. Reconhecendo e valorizando o passado de seus precursores e dando continuidade por meio de novas gerações de pesquisadores produtivos. Felizmente, hoje observamos vários brasileiros envolvidos em experimentos de neutrinos e com papel de liderança.  Gostaríamos de concluir declarando nosso orgulho por ver pesquisadores nacionais com trabalhos relevantes para o desenvolvimento de uma área de pesquisa tão importante para o país. 

Para celebrar esse momento histórico, realizamos entrevistas com três personagens: Orlando Peres, Marcelo Guzzo e Alexei Smirnov. Essas entrevistas podem ser encontradas nos links abaixo.

Entrevista 1 com Orlando Peres:

Entrevista 2 com Marcelo Guzzo :

Entrevista 3: Alexei Smirnov – Medalha de Einstein