
Em 7 de junho de 2024, a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou 2025 como o Ano Internacional da Ciência e das Tecnologia Quânticas (IYQ, a sigla para International Year of Quantum Science and Technology), celebrando o centenário da mecânica quântica. O início desta celebração ocorreu em eventos nos dias 4 e 5 de fevereiro na sede da Unesco, em Paris. Essa iniciativa visa promover a divulgação e o engajamento em torno dos avanços e aplicações das ciências quânticas, incentivando profissionais de pesquisa, ensino, comunicação e artes a explorarem e comunicarem conceitos relacionados ao tema à sociedade em geral, desde governos, empresas e financiadores, até e principalmente à juventude que irá desenvolver e conviver mais e mais com tais tecnologias.
No Brasil, as celebrações devem começar a aquecer após o Carnaval, que teoricamente marca o início do Ano Novo. A Sociedade Brasileira de Física (SBF), por meio da Comissão de Área Ciência e Tecnologias de Informação Quântica (CTIQ), em parceria com a Secretaria de Comunicação, lançará até o fim de março um site que reunirá os eventos que serão realizados no Brasil para comemorar a data. “É o primeiro ano do resto de nossas vidas”, brinca Marcelo Terra Cunha, professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e coordenador da CTIQ. Associados da SBF, universidades e centros de pesquisa poderão escrever os textos de seus eventos em um formulário, cujo conteúdo passará pela curadoria da CTIQ.

A princípio, a decisão de estipular 2025 como o centenário da mecânica quântica causa em alguns cientistas estranheza. Isso porque, dependendo do nível de detalhamento de cada pensador, a história pode ter se iniciado como em 1895, quando J.J. Thomson teorizou sobre a existência do elétron, chegando a 1900, quando Max Planck postulou a quantização de energia a partir da radiação de “corpo negro”, sem contar o chamado ano miraculoso de Albert Einstein em 1905, quando o físico alemão desenvolveu a teoria do efeito fotoelétrico em paralelo com a Teoria da Relatividade.
O professor da Unicamp explica que a Unesco foi muito feliz em definir 2025 como o Ano Quântico, pois é uma data emblemática. Foi em 1925 que Werner Heisenberg introduziu o conceito de “mecânica matricial”, estabelecendo as bases formais da mecânica quântica. Esse marco foi fundamental para o desenvolvimento da física moderna, influenciando áreas como química, ciência dos materiais e tecnologia da informação. Max Born e Pascual Jordan também participaram do desenvolvimento dessa abordagem, que descreve o comportamento das partículas em nível quântico por meio de matrizes, uma estrutura matemática composta por números organizados em linhas e colunas.
Em vez de trabalhar com trajetórias contínuas, como na mecânica clássica de Isaac Newton, a mecânica matricial propõe que as grandezas físicas, como posição e momento de uma partícula, sejam representadas por matrizes que obedecem a regras específicas de multiplicação para buscar descobrir a probabilidade da posição e velocidade de uma partícula, duas grandezas que na física quântica são regidas pelo Princípio da Incerteza, que Werner Heisenberg formulou em 1927.
“Foi muito justo, sob o ponto de vista de formação dos conceitos, considerar esses primeiros 25 anos uma espécie de gestação. Foram anos muito vivos, de um crescimento muito grande, mas uma troca muito grande também de percepções, de concepções. Então, 1925 é visto como um momento no qual várias ideias foram sendo complementadas, e o objeto estava quase pronto. Não estava completamente entendido, mas basicamente as ferramentas todas estavam colocadas explicitamente e o que era chamado de nova mecânica estava estabelecido em vários formatos. Tanto a mecânica matricial do Heisenberg, que é uma publicação exatamente em 1925, quanto a mecânica ondulatória, já vinha sendo avançada desde Louis de Broglie, mas então chega na equação de Schrödinger. É um pouco cruel, mas é um consenso”, explica Terra Cunha. “O nascimento da Teoria Quântica é reflexo de muitas contribuições de muitas pessoas diferentes, que vão amadurecendo essas ideias e fazendo com que, ao final de 1925, estivesse razoavelmente entregue para a comunidade um arcabouço completo. É uma teoria que tem vários pais e várias mães. Então, é uma celebração que acho legal colocar como uma conquista coletiva e evitar esse marco especial da publicação deste ou aquele grande gênio que transforma tudo. Não, é uma transformação de muitos saltos, mas, ao mesmo tempo, muito continuamente feita.”
Eternidade Quântica
A mecânica quântica revolucionou a compreensão do mundo microscópico, descrevendo o comportamento de partículas em escalas atômicas e subatômicas. Sem a mecânica quântica, não haveria toda a tecnologia usada nos dias de hoje, de transistores até os computadores que usamos, aquilo que agora chamamos de tecnologias quânticas de primeira geração. “A Teoria da Informação, basicamente, permitiu toda essa interconexão que o mundo foi vivendo da segunda metade do século 20 para frente. E, por outro lado, o hardware para isso só foi possível por conta da teoria quântica”, explica Terra Cunha.
O fato é que, no desenvolvimento dos estudos sobre os princípios da mecânica quântica, que explicam fenômenos como a superposição e o emaranhamento quântico, que desafiam a intuição clássica, abrem portas para inovações tecnológicas significativas. Por exemplo, a computação quântica promete resolver alguns problemas complexos com eficiência incomparável, enquanto a criptografia quântica oferece potencial para comunicações absolutamente seguras.
Por isso, Terra Cunha lembra que a ideia é que, daqui para frente, o software também vai passar a ser quântico. “A gente vai passar a comunicar qubits ao invés de comunicar apenas os bits usando recursos quânticos. Isso tende a mudar muita coisa em termos tecnológicos, de como a gente faz comunicação, de como a gente faz computação, de como a gente faz sensoriamento. E esses são ramos do nosso dia a dia. A gente está aqui conversando, mas, eventualmente, você pode estar com um reloginho que está acompanhando seus sinais vitais. Tudo isso, se a gente pensasse 50 anos atrás, era pura ficção científica. E a gente vê que essa ficção está aí. O mundo não é como os Jetsons prometiam, mas muita coisa sequer eles conseguiram prever como seria, e a gente já se acostumou com várias novidades tecnológicas dessas”, explica o coordenador da Comissão de Área Ciência e Tecnologias de Informação Quântica da SBF. A tendência, portanto, é que as tecnologias quânticas impactem no nosso dia a dia de maneira invisível, de uma forma que nos acostumaremos tanto que nem perceberemos. “2025 é como se esse ano fosse o primeiro ano da eternidade quântica”, conclui Terra Cunha.
(Colaborou Roger Marzochi)